segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Martha e Arthur: no quarto.



Arthur estava emburrado depois do comentário ardido de Martha.

- Ué? Mas você não disse que colocoria o espelho na porta do armário do nosso quarto até a próxima quarta-feira?... Se você não cumprir Arthur, eu... eu... eu... Eu vou ficar muito brava com você!


Ele baixou a cabeça, e aos 52 dois anos de idade, deu os ombros lindamente pra Martha. Com muita vontade. Sacudiu-os duas vezes, pra cima e pra baixo.


- Você tá ouvindo o que to dizendo? Eu vou ficar muito, mas muito brava com você.

Ele saia fugido do quarto, quando disse algo meio que bem baixinho mesmo pra ser escutado:


- (..)


- O que você falou? Fala!!!


- Normal. Você tá sempre brava comigo...


A espontaniedade de Arthur, fez Martha cair na gargalhada.

- Você tá certo, não é? Tenho pego muito no seu pé... Tá bom, mesmo se você não colocar o espelho, manterei o bom humor.


- Acho que é melhor pra você. Ele disse. Eu não ia colocar mesmo!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Martha e Arthur


Martha andava pela cozinha de um lado para o outro, e falava muito. Gesticulava. O marido, sentado na mesa de jantar, se dividia entre as contas do mês, e os doze ouvidos necessários à falante Martha. Vez ou outra, inclusive, fazia um comentário, para demontrar interesse. O que ele não queria era escutá-la duas vezes, esta e depois mais outras acusações sobre falta de atenção e essas necessidades de sí, que a esposa sentia, vez ou outra.

O assunto da vez era um filme, que ele não sabia muito bem "qual". E sobre a identificação besta de Martha, com uma tal personagem... Arthur disse, de uma vez:

- Ainda bem que vc não assistiu "Jason!", se não iria te trancar pra fora desta cozinha! Aqui tem muitas facas...

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Império salta aos olhos.


Real. a necessidade de normalidade talvez, e esse talvez peca permeado de conotações temporais, mas, voltando ao fluxo do pensamento, a necessidade de normalidade talvez tenha suas doses de insegurança. A aceitação da loucura liberta, e concede a vida momentos (e só podem ser momentos) de felicidade plena. A perfeição ditatorial, amplia-se em uma consciência torta, e de belezas lunares. Demasiadamente expressivas. Amém, Van Gogh.
OBS. Detalhe do quadro "Noite", de Van Gogh.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

para Hamlet, com carinho:

“De pensar morreu um burro...”



“De pensar morreu um burro...”



“De pensar morreu um burro...”



E no caso do reino da Dinamarca, sim, há algo de podre. Devem ser os burros, todos mortos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

dona guilhotina



É sim... é sim, é. Uma montanha russa. Ou roleta, também russa. Ou corredor, polonês. Dependendo de como se tateia a massa disforme que intervém, ora ou outra, e hora sempre. Mas o que de repente interrogava levemente e de forma constante, era a pergunta.

- Mas e Alice, por que você não foi Alice?

Entre quaisquer condenações ao qual podemos entregar a nossa alma. Entre tantas idealizações morais e éticas. Fica a sonora pergunta para o momento pós-partida: “Mas e Alice, porque você não foi Alice?”. De toda as coisas que se pode ser, a única que se desejava mesmo, e muito, é o ser, si mesmo em propriedade. E era por isso, que o certo e o errado dilatavam-se em veredas arbitrárias e mais felizes.

a água ao nível do nariz




“Você não entende e não vê, mas eu não posso deixar de dizer meu amigo, que uma nova mudança em breve, vai acontecer... O que era novo, jovem, hoje é antigo, e precisamos todos, rejuvenescer. E precisamos todos, rejuvenescer”. Velha Roupa Colorida, Belchior

***

Engraçado. Mas aquela música passeava corpo adentro. “você não entende e não vê...”. Não porque houvesse interesse. Não porque haveria entendimento. O que havia era a música e a falta de compreensão. Aconteceria.

Passaram dias, semanas, meses. E aquele soar magnético fazia melodia e intercalava neurônios em sinfonias sensitivas. Por quê? Em um determinado momento, perdeu-se a curiosidade, e esqueceu-se da música. Elas existiam, no entanto.

O meio. Quando é que não se é meio? Mas naquele momento, quase ano depois da primeira vez que a música sibilou, houve um presente representativo. de presente. de repente. inesperadamente. mente.

mente, de mentira. ou a mente, de verdade?

no meio...

***

"(...) um episódio paradigmático do momento de encontro dos interesses do corpo e da alma: a saída dos hebreus do Egito. Por tratar-se de um símbolo de movimento ativo para deixar a escravidão rumo à liberdade, esse acontecimento em muito se presta para exemplificar os processos humanos que realizam movimento semelhante.(...) o Egito é, acima de tudo, um símbolo, por representar um lugar que "já foi bom" e deixou de ser. (...) a etimologia habraica da palavra Egito - mistraim - quer dizer lugar estreito.Todos nós deparamos com lugares que se tornam estreitos em determinado momento. Estes lugares, que outrora serviram para nosso desenvolvimento e crescimento, se tornam apertados e limitadores.No processo de saída de um lugar estreito, temos uma descrição interessante dos fatos históricos ocorridos no relato bíblico. Segundo o mesmo, o processo de saída esbarra num limite tão real e profundo como o mar.(...) Quando resolvemos sair do lugar estreito, ocorre um processo semelhante com o corpo. O corpo não gosta de sair, de mudar. São a estreiteza e o desconforto que o convencem de que não existe outra saída. Mas para onde ir se o corpo não conhece nada de diferente de si mesmo? A alma, imoral em sua proposta de desalojamento do corpo, impõe uma caminhada que para o corpo acaba por ser um enfrentamento com uma barreira aparentemente intransponível. Como seguir rumo à terra prometida, ao futuro, se entre o presente e ela existe um fosso, um mar, absoluto. O corpo então questiona a sensatez da alma. Os portões do passado se fecham, os do futuro não estão abertos e o corpo experimenta a mais temida das sensações - o pânico de se extinguir.Encurralado diante do mar, o povo, representativo do corpo, assume algumas posturas possíveis. De acordo com o ensinamento chassídicos, existem quatro comportamentos clássicos mencionados como quatro acampamentos. (...) O primeiro quer voltar, o segundo quer lutar, o terceiro quer jogar-se ao mar, o quarto mobiliza-se em oração.(...) Nenhum dos acampamentos representa o futuro e a saída. Todos eles são variações sobre a hesitação e a vacilação. São, na realidade, a fronteira onde um corpo morre para renascer com uma mesma alma em outro corpo - do outro lado da margem.(...) A resposta de D´us às vacilações do corpo, ou seja, resposta proveniente da fonte de toda alma e todo futuro, é igualmente decisiva e intrigante (Ex:14:15): "Diga a Israel que marche."(...) Conhecemos o final do relato bíblico em que o mar se abre. Mas, para o Midrash - comentários alegóricos dos rabinos -, a abertura do mar se dá de uma maneira muito peculiar. Um homem chamado Nachshon ben Aminadav, que não sabia nadar, começou a adentrar as águas. Estas, no entanto, não se abriram num primeiro instante. Somente quando o homem já estava com a água no nível do nariz, as águas se abriram.(...) Nachshon compreende a recomendação de D´us: "marchem". O futuro existe se vocês marcharem. O futuro, porém, não está ligado ao presente pelo corpo. A alma guiará o caminho seco por meio do molhado, de um corpo a outro ou de uma margem a outra.Saber abrir mão desse corpo na fé de que outro se constituirá é saber dar o passo que leva até onde "não dá mais pé". Enquanto der pé, estaremos estacionados em acampamentos.Esse profundo ato de confiança em si e no processo da vida garante a passagem pelo vazio que magicamente se concretiza em chão sob nossos pés. O que não existia passa a existir e um novo lugar amplo se faz acessível.(...) Passar por um processo de mutação de maneira bem sucedida é irromper em um outro corpo que não se sabia que poderia conter nosso "eu"." Trechos do livro, A alma Imoral, de Nilton Bonder.

***

meio, meio, meio.

era o caminho.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ana em frentes e verso, e, sem lugar nenhum.





- What’s the BIG deal, Miss Jeny?

Ana, brasileira, perto dos seus cinqüenta anos de idade muito bem explorados pelos tios, o Banana e o Sam’s, disse isso em alta voz, e gesticulando muito. Disse teatralmente as quatros paredes e a única ouvinte presente que quisessem ouvir. O olhar em fúria, o punho cerrado, os braços batiam-se nas pernas e no peito. Violentamente. Eram os olhos pequenos, da cara gorda da Ana, da papa gorda da Ana entre a cara e o pescoço. Os cabelos ralos, precisando de tintura, e um batonzinho vermelho, com cor desses bantonzinhos quaisquer da feira do domingo. Era vermelho. E tinha a sobrancelha bem tirada e as unhas feitas. No conjunto, era feia. Mas notava-se que havia sido bonita. Os traços indígenas dos pequenos olhos de Ana vibravam vida e pobreza. Sua luta, sua cruz, seu colar da Virgem Santíssima no pescoço. Ana.


Da chegada do Amor, ela se lembra da infância, em Renascer, no interior de Minas Gerais, dos pais, e de suas três marias. Da rústica igreja, do padre Seu Marcus, de casinhas brancas, do cheiro da terra e dos bons sonhos de menina. Da partida Dele, ela se lembra do casamento, do marido e do forte cheiro da cachaça no cochão, nos armários da cozinha e da sala, no sofá, no azulejo, e no berço das filhas. Era o cheiro das paredes, e as marcas de pé do João. As marcas no corpo da Ana, das filhas. O ar da pequena Renascer, de repente, era o perfume do seu João.

O álcool chegou de mansinho em seu portão. E não deixou nada pra trás. Nem a Ana. Que foi pra frente. A Ana na América, com vinte e muitos anos, levava na mala os bons sonhos de menina. “- Hão de ter lugar neste mundo!!”


O tempo dobrou. E a idade da Ana também. E naquela tarde, por um breve momento pulmonar, muito breve mesmo, seus pequenos olhos pediam muitos ouvidos, e pediam mãos, queria palco e platéia. Restavam Alice e uma cozinha sem janelas, e mal iluminada. O desabafo era bilíngüe, mas a Ana era trilingue, como a cidade de Nova York, sua casa.


- Sabe Alice, eu não agüentei. Eu disse pra ela não se preocupar, e ir se deitar enquanto eu fazia os dois serviços, o meu e o dela. Mas, eu quero saber, qual o grande problema? Onde está o problema? Qual o grande problema Alice? Eu não entendo essas pessoas que ficam tendo crises por cada coisinha besta. Vixi... Esse povo não sabe o que é problema. Você acredita que ela foi se deitar mesmo?


Ela descrevia seu dia anterior de trabalho, a cena em que ela e uma colega, também empregada doméstica, descobriram que seriam demitidas porque a casa na qual trabalhavam havia sido vendida. Ana não se conformava com a moleza da outra. Alice não se conformava com a força da Ana.


- Alice, e daí que a gente seria demitida? Nesse país, só não trabalha quem não quer! Me fala! Eu queria entender a relação entre ficar mal com precisar parar? Por acaso tá achando que sou prego na areia? Ela que tava com dor de cabeça, tomou uma água com açúcar e foi se deitar, pra acalmar... Sabe, essa gente. Eu não entendo.


- Nem eu, Ana, nem eu. (Disse isso sem saber, exatamente, o que estava falando).


***

“Essa gente”. Como se Ana não fosse gente. Como se Ana fosse bicho. Não era verdade. Não era verdade. Não era verdade. O que era verdade, era o bicho homem que pulsava no olhar furioso da gorda Ana, acima de todos os mortais. Como se cada quilo a mais fosse o desejo de mais. Mais tudo. Mais prazer, mais calma, mais alegria. Menos, muito menos. De muito, na Ana, só o dólar na conta.


O olhar nervoso e pequeno de bicho tinha mais de saudade do que de raiva. O Amor se foi e não voltou. Ana se foi e não voltou. Enquanto andava pela casa se procurando, falava alto com o marido e as filhas que nunca saíram dela. De dentro. Solidão da Ana. Resmungava as amarelinhas que não viu pularem. E se fazia presente mensalmente em uma quantia em dinheiro para cada uma das três marias. Muito, em reais também.


- Porque você num volta pra casa? (Alice perguntou).


- Fazer o que no Brasil? Naquele país é muito difícil ganhar dinheiro.


Os olhos pequenos, nervosos, e o bolso da Ana. Cheio. Eram a Ana gorda e vazia.

sábado, 27 de setembro de 2008

My Blueberry Mornings


"I don't know how to begin, cause the story has been told before..."
The story, Norah Jones*

***
E por que você não fica? Fiquei. Simples assim. Afinal as teorias estão aí para as comunidades científicas, as preocupações estão aí para os conselhos dos pais e as leis do equilibrio estão aí para os nossos Deuses. Fiquei.


Corrí para a loja de cds mais próxima e escolhi um para ser trilha sonora, para treinar o inglês. “Norah jones… Já ouvi falar…”. Comprei.


Primeiro emprego, sete horas da manhã, e lá estava eu naquele café na Brodway com a rua quarenta e seis. “Quer provar?”, “O que é isso?”, perguntei. “Blueberry muffin”. Provei.


Então era um tempo mais ou menos assim: meus muffins de blueberry, a Norah Jones e New York City. Era um tempo que eu não sabia exatamente para onde estava indo. Fui.


(Parentêses): “E quando é que se sabe? Digamos assim: exatamente”.


Londres, inverno londrino. O tempo que se esgotava e as experiências suficientes. Todos aqueles estrangeiros, os estranhos, e nas entranhas da garganta, elas: respostas. Chegaram.


O mochilão que não acabava, e acabou. O passaporte estrategicamente roubado. O avião que atrasou. A volta de quem não havia partido, as lembranças: Voltaram.


Então era o coração do outro lado da rua. Os conhecidos, os amigos, as famílias. Pão com manteiga, samba rock e um incenso pela manhã. Comiam.


“Eu vi um filme e lembrei de você”. “Qual filme?” Perguntou. “My blueberry nights. Vai assistir e você vai entender porque.” Vou.


(Parentêses): “E quando é que se sabe?” "Cê sabe". Digo isso assim: de beijo roubado.

Deliciosa torta de Blueberry



"So don't go away, say what you say, but say that you'll stay, forever and a day... in the time of my life: 'Cause I need more time, yes I need more time, just to make things right". Don't go away, Oasis.


My blueberry nights, ou, “Um beijo roubado”, título em português, é quase um road movie, de Wong Kar Wai, diretor chinês. Conta a intro-hitória de Elizabeth (Norah Jones), em sua viajem sem destino Estados Unidos a dentro. No interior do país, e dela própria, reconstróim-se seus valores através de uma experiência-espelho com os personagens que encontra no caminho. O seu único contato com o passado, são os postais que escreve periodicamente para Jeremy (Jude Law).

O interessante do filme, no entanto, é o fato de Elizabeth ser quase a protagonista, e de o filme ser quase uma história de amor. O que emerge na centralidade da obra é a expressão da solidão, em seu sentido mais profundo. É como se o filme fosse, na verdade, um documentário sobre um sentimento que é exemplificado em pontualidades: o tracejado de seus personagens e como eles lidam com o que realmente sentem em desconhecimento, contraditoriamente. Nessa lógica, apenas ao depararem-se com uma situação limite, como a morte por exemplo, há um retorno ao que estava permanente e vivo dentro de sí.

Assim, a personagem quase principal, Elizabeth, está a distância de casa, e em distância de sí. A atitude impessada de fuga é o desejo de aproximação a um estado psicológico diferente a desconexão em que se encontrava após a perda de seu antigo amor. O movimento de aproximação consigo, cresce a medida em que se vê nos personagens, e percebe no outro a mesma opacidade. “A história já foi contada antes” diz a canção The Story, escrita para o filme por Norah Jones. O relaxamento da personagem a fortalece e aproxima-a de sí, do outro, e de um novo amor.

A solidão e a distância também estão dilatadas no jeito de filmar do diretor em uma espécie de câmera indireta e lenta. A visão do espectador é anteposta a elementos que ofuscam os personagens e pintam o drama central em cores melancólicas. Observe, por exemplo o outdoor de divulgação do filme, a cena do beijo roubado, em que no primeiro plano saltam aos olhos do observador as cores de um letreiro luminoso comum e repetitivo nas esquinas das cidades grandes. Lugar máximo do eu-sozinho. As lentes estão curiosas aos vidros escritos do café de Jeremy, estão atrás das cortinas coloridas de um bar na cidadezinha de Memphis, e entre as luzes de um cassino em Las Vegas.

A despedida do passado é o pré-requisito para que o sentimento de perda seja substituído pelo de acréscimo, e assim de Elizabeth, finalmente perceber-se presente e viva. O desejo físico pelas tortas de blueberry, é simbolo de um desejo maior por quem fazia as tortas. E são estas delícias como a torta de blueberry e o “Jude Law”, que, absolutamente não devem ser desperdiçadas. rs. (pra descontrair!). O filme é uma passagem por uma das passagens que a vida, obrigatoriamente, se dá. E é uma passagem por que, continua. Fica o convite, para que passem por ele, num desses dias em que há tempo. E dá pra acompanhar com muffin de blueberry vendido no Starbucks café, na Paulista. Até breve.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

grafite e cilindro de madeira em projeto de dominação.




Entre um furacão e outro de idéias maiores do que são, e imagens catastróficas da realidade, entre uma cobrança e outra. Entre vaidades, medos e inseguranças, o ego, pouco altruísta, pensa em sí. Lotado. Ocioso em tamanha desnatuturação interior. Talvez uma evolução seria não pensar nas causas, talvez fosse pensar no: "pra onde"... ou qualquer outra coisa que mude o assunto.


E, é neste momento que sou salva. Ele, o lápis, e somente o lápis pode me resgatar de tamanha dramaticidade. Dele o teatro não me escapa. Seria quase uma bic meditativa, de poderes magináveis. Meu adorado lápis. Um plano altamente infalível e conspiratório para dominar meu mundo, e de descansar dele.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Aniversário do Blog em dia de SIM ao angu!!!


Parabéns para o blog!!! Um ano de escritos!!


"Iria mudar tudo de novo. Ia. Iria. Não ia. Não foi. Hesitei. Alguma coisa aqui dentro solta, portanto, "coisa-solta" stopou o gesto automático. Afinal esse era o problema, mais um daqueles gestos automatizados: "- Não faço isso de novo", Alice disse, a tempo. Mas retomando de onde parei, zoom cinzento destino a esta pseudo "coisa-solta", uma repentina mudança em naturalidade de ocorrência, surprendia por sutiliza e superioridade. Pegou? Dá uma acelerada. Mas é que o jeito da mudança presente se for comparada ao estágio superado é assim, "solto", de repente, a escravização daquela mudança continuada anteior, viciosa. Foi quase que uma pausa. Foi em silêncio. Foi um descanso. Aliaís em silêncio é que se pega no ar as ilusões em baixo do seu nariz. Falemos agora de futuro. Apenas outro. Que veio de outros bons descaminhos".


Alice afirmou isso tudo de uma vez só, sem nem respirar. Alice em seu natural abstracionismo. Alice, surrealista literata, definitivamente, não era para este mundo.


DIGO SIM AO ANGU


Iria encerrar este blog, já que a função principal, diário de vigem, havia em sí, desaparecido. Mas, mudei de idéia e decidi mantê-lo, porque a paixão pela escrita é maior.

Eu havia trancado a faculdade de Letras, não sabia por quanto tempo, exatamente, e fui-me em uma trip "on the road", rumo ao desconhecido. A aventura durou 331 dias, e eu morei em Nova York e Londres, e habitei treze casas durante quase um ano. Conheci Veneza, Roma, Sevilha, Madrid, Barcelona, Granada, Paris, Lisboa e fiz viagens de carro por toda a Grã-Bretanha.

Nessas condições aventureiras, o blog servia para documentar situações marcantes, e as pessoas da história real transformavam-se em personagens. Era uma espécie de conexão com o que eu mais amava do meu antigo mundo, a imaginação, a arte e a cultura brasileira. Escrevi muito durante esse quase ano. Alguns textos transformei em posts, outros enviei para alguns amigos específicos, e outros, ainda, apenas guardei.

Agradeço ao carinho dos amigos durante este ano passado e afirmo: continuo com o meu "angu"!!

Máquina de Lavar



Higiene, limpeza, dois banhos ao dia. Limpar o rosto antes de dormir e ao acordar. Escovar os dentes depois de cada refeição. Impreterivelmente. Sabe aquela balinha de doce de leite gostosa que gruda nos dentes enquanto agente masca. Ela também não deverá ser perdoada diante da tortura higiênica que controlará a Cidade dos Ventos.

O escritor alertou a polícia local sobre o desaparecimento súbito Maria Mulata.

Ass. O escritor

***

- Agora, eu não sinto as minhas mãos!!! Eu não sinto… (dizia isso enquanto ora apertava-a, ora espetava-a com o garfo, ora mordia). – Eu quero sentir as minhas mãos!!!! Cadê vocês %$#@&!!!!

Penitenciava-se em uma falta de amor que não comeveu ninguém. Maria Mulata e sem mãos ganhou o poder da invisibilidade.

***

mão que perdeu a mão.
a cabeça que perdeu o pensamento
e o coração que precisava de descanso.

Uma grave epidemia tomou conta dos moradores da Cidade dos Ventos. Doentes, fracos, cansados do lixão e da fumaça suja saída dos veículos, reivindicam em um abaixo assinado à rainha da Brisa uma mudança enérgica em relação ao seu projeto de governo. Ou o fim do caos, ou sua cabeça de Brisa iria perder o pouco que restava.

Maria Mulata estava presente na reivindicação. Não notaram. Ela bem que tentou colocar o nome no abaixo assinado, mas as mãos não responderam a caneta novemente. Nem preciso dizer que isso fez com que ela ficasse puta três vezes mais, pelo abaixo assinado, pela ausência e de novo pela mão que não respondida e ora apertava-a, ora espetava-a com o garfo, ora mordia.

***

Do céu, leves ondulações cintilantes foram notadas. Elas já exitiam ou exitiam devido ao acontecimento presente? Ninguém continuou curioso diante do efeito térmico do ambiente. Quente. E as ondulações que pairavam no ar envolviam o povo dos ventos, e Maria Mulata trazendo ao momento um aspecto mágico.

Mágico?

Ela encarou a pureza da cores com saudades.

Ela ouvia a cor que dançava entre seus braços, seu cabelo, seu corpo… A cor a envolvia em um perfume tutti-fruti. Maria Mulata sorriu. Estava calma. O povo todo estava tranquilo.

***

O que estaria acontecendo na Cidade dos Ventos?

Ass. O escritor.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

ao(s) dois(e): a.manhã do cora-ação decifrável


cartas nas mãos.

blefe;

a carta na manga.

- truco

peço seis!

- desce? (disse tímido).

Sou mistério. Boca larga destemperada. Mais mistério. Cada riso outros mils vazios. Sou mistério. Unhas pintadas, batom, rímel, blush, base, lápis de olho, lápis de boca e lápis de corrigir imperfeições, sombra, brilho. Perfume. Se aparento aparentesco apaterentasse alguma coisa significativa Aparecida seria. Sou mais eu. Não digo, não peco. Não conto. Seja por orgulhoso, seja por cumplicidade ao silêncio. Não conto. Não parece, mais é assim.

Aparecida enquanto dizia isso nos gestos, nas cores e nos olhares, naturalmente preferiu calar. Valha-me São José! Queria saber se Romualdo entenderia o convite. O convite publicitário.

Sou descoberta. Descoberta descobrida apresentada e tocada, sutilmente, de verdade, e pela primeira vez, fez se assim. Natural. A descoberta de Romualdo em Aparecida camuflada. Falando em subjetivos e na objetividade do assunto e ato amor. Romualdo disse certo:

- peço nove!

Sou descoberta pelas calçadas de pedra, e frias da noite. Sou descoberta no cimento da calçada de manhã. quente. Sou o natural acontecimento privilegiado, de eu e você, de repente assim, junto a esse lindo acreditar, somarmos um, mais um dois. Bem resolvidos, gemidos e estremecidos mistérios de uma dança salsa sem passos e descompassados beijos, as salivas, os toques e afogamentos de faces no travesseiros. Pernas, braços, ventre, gozo. Ao toque leve da mão na pele que está, quente, e, ... macia. E, pedindo para ser tocada. Sou mistério quando me relevo a você, mais do que desesperada. Mais do que ... Querendo todos os pedaços do seu corpo. Em fatias. Todos. E assim, entregue, de corpo e de almas. sou o espelho. sou você. Sou animal em dia de cio, sou criança quando dança ciranda. sou amanhecendo. estou amando -te... de manhã.

- Doze.

Disse segura. E colou a carta na testa, sem dó.

saia drapeada e janela




- Mas você mudou... de novo?
- Se acostume não, benhê...

Ela disse isso enquanto olhava janela a fora. A paixão pelos descaminhos ainda pulsava no sangue ardido e feroz da menina. da donzela. da puta. da louca. da rainha do tanque. da medrosa e da franguinha. da menina. da mulher. Maria já sabia. Maria se transformava em outras.


*E que venham os ventos do castelo... calmos e irritantemente acolhedores.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

rascunho das Dores


Não sabia se sentia dor ou vontade de assassinato. Mas não queriar assassinar aos outros. Era um súbito desejo de estrangulamento, enforcamento, de fuzil. A agressividade corria no sangue e a enchia de dor. E de bençãos. Porque aquela vontade de morte era o único sinal de vida a apatia predominante. Mas era demasiada covarde para o ato suicida. Matar-se assim, definitivamente.



Os olhos arregalados e o papitar de um coração morto. Não encontrava mais a antiga tranquilidade do cotidiano auto-engamento, pouco a pouco a trapaça ao qual se submetera durante anos havia sido esclarecida. Malditos! Pensou alto enquanto roia as cuticulas e sorria e falava manso de não saber se existiria o dia seguinte. Aquele tempo que demorava demais pra passar dava-a a sensação de que os paralelepipedos azuis não existiriam, e se existissem, fossem eles o mijo. Era como se uma essência encoberta pela casa fosse ilapidável pelo tempo.



- Maldito tempo redondo!



Recobrou a lucidez apenas no dia seguinte, depois de passar mais de dez horas revirando-se nos doze lados da cama. Fora a eternidade aquelas dez horas, aqueles doze lados da cama, as horas que circulavam e eram as mesmas. Acordou encolhida na cama.


Ela, num ato de apropriamento de si. Ato falho. Tentava fechar os olhos que não se fechariam durante os próximos anos. Queria ser cabra-cega.

E as tristes descobertas, tão esperadas, eram de uma obviedade enjoativa.

conto para crianças: Alice, o Mundo e Mariano Caçarolas




Alice era gata. Na sua terceira vida, depois de duas outras repletas de discursos indefinidos, digamos assim, de narrações intermináveis, Alice percebeu que havia ficado surda. Talvez por escolha, talvez por processo, ou até mesmo cansaço. Achava também que poderia ser um jeito de fugir daquelas conversas "interessantes". Um adjetivo elucidativo à beça para materializar o que Alice pensava quando ouvia conselhos, regras, ditados populares, conversas, filosofias, leituras de cartas, publicidade, doutrinas e televisão. Com a gelada exceção da conversa de bar, usando "gelada" para materializar a cerveja, passou a não escutar mais os sons do mundo, e principalmente de Mariano Caçarolas.

A primeira sensação da descoberta do silêncio no mundo foi a de surpresa, depois veio a paz. Alice, começou a ver as letras voarem cabeça a cima das palavras pronunciadas e tentava organizá-las em balões imaginários. As letras voavam soltas, sem significados e Alice não sentia a necessidade de que tivessem. Na verdade aquele significado anterior não a interessava. O limite do pensamento humano em cada ser seria como uma prisão se ela concordasse, se ela acreditasse. Queria a indefinição e as quedas tristes da descoberta. Da descoberta final de que a única certeza depois de uma passagem tão insignificante quanto o seu pensamento para a humanidade seria a morte. Alice descobrira o silêncio e a morte. Não descobrira ainda, materialmente, para não fugir do didatismo proposital, porque afinal de contas quatro vidas de gatarias e telhados a esperavam ate o fatal desaparecimento. Até que, enfim, no esquecimento, a receberiam feito um convite de patas e garras, sem depois.


Era como se ouvisse as palavras e apenas as ouvisse. Assim, insignificantemente. Como quem enxerga, mas não vê, como quem toca, mas não sente, como quem ouve, mas não escuta. Tentava pensar nas possibilidades. Gostava dos desenhos que aquelas letras formavam no ar enquanto voavam. Mas já contei para vocês como a gata Alice decidiu não ouvir mais os sons das falas dos humanos? Nada de especial. Foi num dia normal, desses com cara de final de chuva, e enquanto conversava com Mariano Caçarolas e este lhe repetia um número interminável de "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?" "viu, Alice?"... e depois das falas de cinco minutos de duração, todas ciclicamente intercaladas por um significativo, "viu, Alice?", percebeu da des-importância da sua presença na conversa. Percebeu mais. Percebeu a des-importância para Mariano Caçarolas em ser escutado. Era um monólogo com tom de des-abafo, des-amparo, des-espero. Alice se sentiu des-iti.mula.da enquanto observava a descida interior de Mariano. "- Que cara de pau! Ele esta me usando." pensou.


***

Talvez porque ouvisse sempre as mesmas coisas, talvez fosse o Tempo. Afinal de contas o tempo é Senhor e sempre pode ser desculpa para as palavras agrupadas que Alice observava a voar. Mesmo se for por desculpa biscoito. Boicote. Mas era engraçado. Começou então a divertir-se. Quando olhava para Mariano Caçarolas e este des-andava a abrir e fechar a boca percebia que se tratava de ter sons também nas suas falas, mas passou a não escutá-los. Percebeu o quanto era insignificante os seus problemas, as suas ilusões. Aquela falta de sorte que cercava a vida do Mariano Caçarolas talvez provinha do excesso das suas palavras. Ele as pronunciava assim, feito rio que segue, folha que cai, pássaro que voa, nadador que nada, pés que caminham, mãos que trabalham, cigarro que fuma, picolé que chupa, balão que voa, político que mente, ator que atua, marionete que meche, loja que vende, tiro que mata, dinheiro que gasta, manhã que se levanta, sapato que se calça, sexo que se transa, comida que se come, ar que se respira, música que se dança, música que se toca, música que se escuta, beijo que beija, por que afinal de contas, beijar é beijar. Nadador que nada, palestra que se fala, cerveja que bebe, e bêbado que tropeça, mal humor que espeta e espeto de churrasco que é "com" carne, ou frango, ou lingüiça. Já comentei que Mariano Caçarolas adorava a palavra "interessante"? Mais uma vez um adjetivo onde o pleonasmo não é opcional.


***

Assim, a gata mergulhava em uma existência sonolenta e alienada em relação aos outros. Alienava-se por opção já que achava os outros gatos, e humanos muito chatos e repetitivos. Percebeu então sinais de caleamento nas suas cordas vocais e ausência de cores em sua visão. Pouco a pouco, o mundo ia se transformando num branco infinito, sem cores, nem ruas, nem outras pessoas, nem postes e nem estrelas. Sem telhados ou ratoeiras.


Ficou muda, ficou invisível. Foi uma decisão fatal. O isolamento, a solidão e a brincadeira de organizar balões com as letras proferidas enchiam a cabeça já vazia de Alice, que de uma hora para a outra percebeu que não conseguia mais organizar planos, ou as idéias, ou as sensações. Não conseguia mais pensar nem nas coisas pequenas, e nem nas grandes. Ela não sabia mais o que era começo ou fim. Sua via era como um flutuamento morto no meio. E Alice, simplesmente não conseguia pensar sobre isso. Era só começar a surgir uma idéia, ou um fazer, que uma dor de cabeça repentina e interminável a derrubava doente no chão. Ela perdeu a vontade de amar, esqueceu como sonhava, e de como era gostoso, às vezes, pensar tudo errado, mas com boa intenção. A própria presença dos outros gatos passou a ser indiferente. Alice estava ficando louca. E nem sabia.


Aquela idéia da desimportância final de qualquer pensamento dos gatos em relação a verdade inquestionável dos acontecimentos, levava ao extremo alucinógeno. O sentido passou a ser o fim do sentido de todas as coisas, e assim, sem sentido, as coisas passaram a também não mais existir. E assim, já que não haveria sentido nenhum em sua existência no mundo, todas as pessoas, objetos, sons, plantas e arvores que ainda restavam, decidiram também ir embora. De fugitiva da realidade, Alice passou a abandonada as suas próprias fantasias. Por escolha. Talvez afogada fosse a palavra mais sensata para descrever o estado precário de Alice.

***

Depois de perder o interesse pelos gatos e explorar a imensidão do mundo, e devastá-lo, degluti-lo, de sentir os silêncios e sua paz, de viajar por sete mares e dois oceanos, depois de conversar em outras línguas e beijar mais de vinte e sete sapos, tudo fazendo assim, uma falta tremenda de sentido, Alice sentia o seu último fio de pensamento rompendo-se. Quebrando-se...


Alice tinha fome de abocanhar o mundo e o Mundo que é gato comeu sua língua, e a sua inspiração. A grande tristeza de tudo isso, foi que a imaginativa Alice não lembrava mais o que era companhia. E, se conseguisse lembrar, sentiria falta de Mariano Caçarolas. Alice havia esquecido o coração em algum palácio chuvoso escrito em letras garrafais "Juízo". E não é de juízo moral que falamos, e sim de juízo pessoa. Alice perdida.


****

Um dia, gateando no mundo branco, sem chão, sem céu, sem nuvens ou sol. Sem noite, sem dias, sem pessoas. Alice, já acostumada a não pensar, olhou um ponto. Alguma coisa que fugia do vazio que era companheiro. Aproximou-se corajosa.

E, pata a pata em direção ao ponto, desejou que fosse de ponto de partida. As unhas longas que forem úteis para abrir a pele e retirar o coração que não batia mais. Segurava-o, e, depois de muito tempo, num momento lindo: Alice teve uma idéia. Não conseguiu compreendê-la toda logo de imediato, já que fazia tempo que não pensava em nada... Mas como que por intuição, começou a apertar o coração como que quisesse fazê-lo funcionar! -Vamos, você existe, eu to te vendo... Eu quero sentir!!! Era uma gata, com um coração na mão, em direção ao ponto indefinido. A qualquer coisa que não fosse silenciosa ou branca. A idéia que tentava vir na cabeça não se concretizava, mas tinha nome. Era, era... como era mesmo?...

- Mariano Caçarolas!

Gritou em quanto caminhava em direção ao ponto perdido no branco sem fim. E veio assim, todo de uma vez, como se até sentisse "saudades" daquele nome. Quem é Mariano? Permitiu fazer do coração, a bússola perdida.

E ele lhe presenteava com lembranças gloriosas e tristes. De pessoas, de lugares, de dias, e de momentos que foram música. Começou a rir. E depois, logo em seguida, quis chorar. Sentiu uma dor imensa... e depois alívio. E foi como se o branco do céu começasse a tremer, e de repente, daquele ponto, azul, verde, lilás, laranja, amarelo, verde! O sol, as nuvens, e as pessoas com as suas pequenas idéias tão importantes iam surgindo todas aos montes, e as árvores, a sujeira que chegava junto, o ar poluído. Tudo era motivo de sentido e imperfeição. Ela se lembrava e via. O caos, o coração, a poesia.


No meio daquele amontoado de imagens, Alice viu o pelo negro e os olhos puxados de gato de Mariano Caçarolas. Correu em direção a ele:


- Mariano! Mariano me fala de você! O que houve nesse tempo todo de ausência?


Mariano a olhava penalizado. Aqueles sons que conseguia escutar não tinham sentido algum. Era uma língua diferente ao qual estava acostumado.

- Mariano! Alice insistia com o coração disparado.

- Mariano!

- Mariano! Alice gritava o mais alto que podia.

E depois de tentar muito, Alice entendeu. Alice olhou para os lados sentida. Todas aquelas cores, toda aquela vida, todo aquele desequilíbrio inaceitável que dava vontade de fugir dele, todo o caos cíclico, as casas, os outros gatos, e a figura de Mariano, ali, saltando aos seus olhos. Mariano Caçarolas era o sentido do seu mundo. Era o sutil e falante equilíbrio daquela desorganização que de tão grande, a fazia sentir medo.


Queria Mariano para beber, de repente.


Alice entendeu. E se Mariano estivesse surdo a sua língua, o faria escutar, ou melhor, ver. Foi então que lembrou dos balões imaginários que saíam enquanto as pessoas falavam e imaginou que talvez Mariano também os visse... Recolheu algumas letras que não enxergava no céu, mais por intuição do que por visão, e escreveu assim:


- Eu te amo.


Mariano leu. Mas Mariano não precisava ler para saber. Mariano sabia tudo, desde antes. Sabia ainda, que Alice voltaria correndo para as suas garras. E Mariano, paciente que só ele, disse assim para sua gata:


- Viu Alice? Eu sabia.




***
OBS. Optei por contar essa história para crianças, para poder não abrir mão do final feliz.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

T24





Wagner Montes dizia assim para a desconhecida:

- Olha só, eu falei sobre você para o meu chefe, e ele me perguntou se era forte o suficiente para aguentar o trabalho. Você sabe que na empresa tem 25 funcionários e apenas 3 mulheres...
- Ah, vamos ver se consigo, né? - respondeu Alice enquanto sorria muito.



“Fernanda não teria se importado com a chuva, porque afinal de contas toda a sua vida tinha sido como se estivesse chovendo”. Gabriel Garcia Marquez, em trecho do romance Cem Anos de Solidão.


Prossigamos.

atenção desprestada
atrapalhada
seja por falta de pressa
seja por chuva.

domingo, 9 de março de 2008

marco em 8 castanhas meu colar sem fio. Infinitas castanhas.

Carolina.
Minha filha, que meu coração vê menina,
sapeca na escola ou simplesmente brincando de rima, que se aconchegava meninacriança nos meus braços na rede da casa da praia.

Que procurava ás estrelas e embarcava nos sonhos de um lugar distante, que de menininha fugia nos seus sonhos, sempre procurando um canto, não de tristeza mas de encanto e para o meu espanto, num sorriso gostoso lá estava ela com brincadeira de criança, viajando na esperança e nas nuvens de quem acredita que nas estrelas iria tocar.


Hoje, embora minha alma reflita e meu coração que vive aflito por não poder te abraçar, tocar ou sentir seu sorriso maroto, percebo que minha filhinha é uma mulher. Mulher de fibra, coragem que vibra, luz que ofusca, sorriso que aconchega em atos de inteligência e independência que assusta, mas que fala com minha alma e que toca meu coração. Não há uma lágrima que explica, mas meu coração precisa, entender, compreender e saber aceitar que perdi a menina e ganhei a mulher. FELIZ DIA DA MULHER.


Alan Kardec da Lomba

***

Amor de olhos castanhos. Da família das castanhas dos cajus. Motocicleta, barraca de camping, jaqueta de couro, saia rodada. Pérolas sem fio. E essa distância, que, de repente, aproxima.*

Feliz dia das mulheres, a todas nós, então.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Emmanuel e Maria, com chico.





"Desvendando, paulatinamente, as sublimes grandiosidades da natureza invisível, Maria embriagou-se com as belezas de tão lindos mistérios e estabeleceu o caminho para encontrar-se.

Descobrira o mundo microbiano, ao preço de acuradas perquirições.

É que os limites vigentes eram defeituosos e deformados pelos seus atributos exclusivamente humanos. Estavam acorrentados ao dogmatismo e escravizados aos interesses do mundo.

A confusão estabeleceu-se.

Foi quando Maria fez sentir mais claramente a grandeza de Seu ensinamento.

O céu descerrou um fragmento de seu mistério e a voz dos espaços se fez ouvir...

Esclarecida, inumerável e magnética."

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

homem = máquina de escrever









Eu quero fazer uma indicação descarada de leitura. Uma viagem que clareia. Feito fernanda que faz a diferença.

http://www.maquinadeescrever.com/

Entre visitas blogueiras na madrugada cliquei em Fernando Paiva, um jornalista compulsivo. Mas na verdade, mais máquina de escrever do que jornalista. E mais compulsivo do que as outras duas coisas. Muito bom!

O mágico da Taberna Minhota é subversivo, mas não é literal.


O que é literal? A relidade é subversiva por que fala por sí só e sem palvras, principalmente se falarmos de uma cidade grande, e mais ainda, de São Paulo. Das multidões aglomeradas, da violência, do trânsito, do PCC, das crianças descalças no farol. O que é subversivo? Passeata? Greve geral? Uma guerra? Uma flor? O banho das crianças de rua nas fontes de água da praça da Sé? Banho com sabonete! Banho com risadas enquanto olham os advogados que passam e fingem que não os vêem? A terceira idade da colônia japonesa (a maior concentração de japoneses fora do país de origem encontram-se na nossa capital) em plena era do sedentarismo praticando exercícios físicos na praça da Liberdade às sete horas da manhã com música!!! E eles dançam animados! 25 de março? Trocar telefone no trânsito parado? Namorar a tarde no vão do Masp?

Quando recebi esse e-mail de uma amiga, e li, com os textos de no máximo cem palavras desenvolvidos por escritores e blogueiros sobre a cidade de São Paulo, não me espantei, ao contrário da Revista quando ela afirma, com surpresa, que nenhum dos 20 contos recebidos tinham um final feliz.


Os contos, inclusive encabeçados por um ator que admiro, Marcelino Freire, são exatamente o que eu conheço de rodas culturais literárias na noite paulistana.


A tinta da caneta é cinza, as roupas são pretas, o discurso é splum, e o café é sem açucar. As carreiras são as das cocas-colas. E as reclamações são as mesmas, e a imagem pinta pouco. É prostituta bêbada e suja, os cigarros, os incompreendidos da noite, a madame alienada, o cachorro da madame que usa shampoos caros, a classe média sentindo cinza a dor que sangra vermelho em uma maioria que não escreve. É uma separação, deles versus nós, que na verdade, se sem preconceito, poderia juntar. Poderia olhar sem provincianismos de suas rodinhas e ver mais longe. Ver junto. Todos são os patos, e os patos fazem quá quá.


A classe média que não vai até a favela, mas fala de sentimento de compaixão embriagada de verborragia e drogas que são compradas e sustetam a violência nas favelas. (Olha a tropa de elite!). E depois, os intelectuais que gozam de suas habilidades de sedução dicursivas nas belas ouvintes de esquerda com seus decotes, que não são nem canhotas, mas são vazias também. E ficam falando do que seria proibido, levantando bandeiras e achando que chocam por falar de sexo sujo em suas métricas, por falar de drogas, suicídio, homosexualismo, ateísmo ou poligamia natural. Não me convencem. Conheci Catulo.


Denuciar diferença social choca naturalmente, por ser tão humano, e por ser sentimento. Já folhearam o livro África, de Sebastião Salgado? Ninguém de preto, e tudo de verdade mesmo.

Talvez, como paulista, deseje uns cariocas para tirar uma onda, mesmo quando é tando na maior puruca. Ou um gaucho para dançar a chula em cabo de vassoura. Pergunte ao sertanejo, ou ao seringueiro. Os paulisas perdidos dentro da sua cidade, tão cosmopolita podiam contar talvez da tarde de amor da Josisvânia e do Jair no Ibirapuera, poderia contar que ocupação na reitoria da Usp virou invasão de reitoria da novela da globo (que triste!)rs. Poderia contar como o carteiro chega nas casas que não tem número e nas ruas que não existem. Eles chegam de verdade.

Bom, para esclarecer, falava desta matéria abaixo. Desabafava. Sim, é da Folha e eu não concordo com tudo o que a Mariane escreve. Mas achei interessante o fato de um número relevante de jovens escritores paulistas compartilharem de uma mesma onda. Slum, splash neles! Ficou quase um Grease, mas sem a brilhantina.


***


Folha de São Paulo. Suplemento: Revista da Folha. p. 20-27. São Paulo, 13/01/08.

Conte até cem
Jovens escritores imprimem descrença e pessimismo em microcontos que têm a cidade como pano de fundo


por Marianne Piemonte

Essa conversa de que quem conta um conto aumenta um ponto foi aqui subvertida. Escritores estreantes (alguns nem tanto) e blogueiros receberam a missão de contar histórias com o limite de cem palavras. Nem ponto nem vírgula a mais ou a menos. São Paulo deveria aparecer como tema, cenário ou coadjuvante nos textos. Para a surpresa da Revista, dos 20 microcontos que chegaram à redação, 3 falavam de suicídio e, nos demais, havia sopros de melancolia e toda a sorte de mazelas existenciais. Estará a nova geração desacreditada da vida? Ou São Paulo para esses jovens exala pessimismo e descrença? Para a professora de filosofia da PUC-SP, Sônia Campaner, 50, não se pode dizer que há uma reedição do Romantismo, mas, como naquele momento (quando a geração mal-do-século morria tuberculosa, entre os séculos 18 e 19), talvez o mesmo sentimento de ausência esteja de volta. "A cidade é uma espécie de signo de uma cultura que oprime, e a arte é um termômetro desse sentimento", diz. Mas, ao contrário dos byronianos (seguidores de Lord Byron, expoente daquela escola literária), os paulistanos desiludidos extraem do concreto e da violência sua matéria-prima, produzindo uma literatura demasiadamente realista e de tons acinzentados. Na opinião da professora de crítica literária da PUC-SP, Vera Bastazin, 50, o diálogo entre a arte e o cotidiano é algo inevitável. "Mas o que impressiona e assusta é que esses autores parecem estar com o imaginário aprisionado no dia-a-dia. Não há libertação nem na imaginação. Com esse binômio fundido, a realidade não é usada como motivação, mas como fator determinante, o que é muito sério em termos de arte", acha. Questionados sobre seu trabalho ser pessimista, os escritores discordam. "Não me parece que o meu conto seja 'deprê'. De qualquer modo, penso que toda a literatura não fala de outra coisa senão de morte e, talvez, amor (no fundo, uma variação do primeiro tema). São Paulo não tem nenhuma culpa por isso", diz Verônica Stigger, 35, que participa com o conto "200 m2". Os novatos Vanessa Barbara, 25, e Emilio Fraia, 25, preferem entrar na discussão de outra forma, embutindo crítica social numa estética nonsense. Ela: "Eu e o Emilio fazemos parte de uma corrente literária que aborda apenas os grandes temas: patos e palhaços. O último palhaço feliz que eu vi em São Paulo estava aos prantos. O último pato, dentro de uma panqueca... Não é uma cidade particularmente amistosa para quem não tem CPF". Ele: "Tem um poema do García Lorca que diz que 'todos os dias são mortos em Nova York quatro milhões de patos'. 'Debajo de las multiplicaciones/ hay una gota de sangre de pato'. Em São Paulo é assim também. Nada de CPF". (Entenda por "pato" a criatura excluída que quiser.) A escritora, doutora em literatura e colaboradora da Folha Noemi Jaffe, 45, diverte-se com a discussão. "Parece que há uma tendência na literatura contemporânea a uma pseudo-imitação de Rubem Fonseca, mas de forma fácil", diz. Para ela, os jovens autores demonstram um apego ao maldito, uma vontade de chocar e de se mostrar marginal que beira a adolescência. "A vida está tão dura que fica a idéia de que é preciso ser literal para ser político. Mas, assim, eles se esquecem do lado poético da poesia." Noemi lembra um conto de Julio Cortázar, no qual um homem cospe coelhos. "Aquilo era subversivo e não foi preciso ser literal para ser político", diz. Para os convidados neste exercício, a lírica é outra. São Paulo até cabe em cem palavras, mas nenhuma delas comporta final feliz.

o dia em que as meninas atravessaram aquela porta... As que foram e as que ficaram. São a mesma.


"Não reescreverei o livro. Mitiguei seus excessos barrocos, limei asperezas, risquei sentimentalismos e imprecisões e, no decurso desse labor às vezes grato e outras vezes incômodo, senti que aquele rapaz que em 1923 o escreveu já era essencialmente - que significa essencialmente? - o senhor que agora se resigna ou corrige. Somos o mesmo; os dois descremos do fracasso e do sucesso, das escolas literárias e de seus dogmas. (...). Naquele tempo procurava os entardeceres, os arrabaldes e a desdita; agora, as manhãs, o centro e a serenidade".

Jorge Luis Borges, no Prólogo datado em agosto de 1969, para o livro "Fervor de Buenos Aires", que foi escrito em 1923, pelo mesmo autor. São o mesmo.


***
Um vulto preto descia a escada correndo como se fosse cair. Chave. Um vulto preto e desastrado. No segundo andar, uma menina, cabelos longos, sentada à penteadeira, no canto esquerdo do quarto. Penteava o cabelo. No banheiro do primeiro piso, outra. Ela estava nua. Ela fazia poses ardentes para o espelho e dalí não sairia. Apaixonada, vadia. Chave. Um vulto claro era como se luz entrando janela a dentro em direção ao altar cultuado na sala. Na cozinha, de avental, outra menina cozinhava. Havia uma menina com a tesoura na mão na sala, cortava os cabelos com força e violência. No porão, sete meninas gordinhas riam e brincavam de boneca, de amarelinha e de cambalhota. Estas eram sete. Sete. Chave.No escritório, três mulheres que liam e falavam sozinhas e andavam, como se calmas e desperadas, de um lado para outro. Agora, eram cinco delas. Uma senhora de chapéu violeta também passeava pela casa, calada, sábia. Ela olhavas as meninas, os vultos, as mulheres, as crianças. Reparava nas cores da parede, cinza, pretas, vermelhas, verde. Reparava no móveis da casa. Na sujeira, na limpesa. Gostava da música. Chave. Ela olhava olhando por todas. E caminhava. Chave. Ela notou a chave. Pensou em tocá-la. Será? Uma menina que tinha mania de andar com a cabeça virada pra cima tropeçou. A chave. Senhora de sí. Chave. Porta. E as meninas gordinhas que se riam:
- Vamos brincar de mãe da rua?
O dia em que a menina atravessou aquela porta, ela, elas, não seriam mais as mesmas, se a, as mesmas pudessem ser se houvessem ficado. Não seriam e existem. São sãs. Menina, Senhora e Maria. Existem todas e são loucas.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

as vilas dos renatos





"Coloridas de um jeito que não existe. Digo, Não existe". Maria disse isso enquanto pensava no Movimento Surrealista e na falta que Salvador Dalí fazia aos tempos modernos e realistas. Digo, de verdade. Que a imaginação e a critividade não são alienação, mas criação, escolha. O movimento que recusa a lógica, a razão, e o enquandramento quotidiano, do real cotidiano. O pseudo-real dos jornais e dos falares. O surrealismo rasga o jornal em pedacinhos e dele, um mural apoteótico, sem sentido consciente. Falamos de um movimento arisco a "mania incurável de reduzir o desconhecido ao conhecido, ao classificável, que só serve para entorpecer cérebros”, e de uma proposta de mergulho ao mundo do fantástico, na liberdade proposta tecnicamente pelo psiquismo imediato e que induz o ser ao estado de estase. Propõe o abstrato.

"Este movimento artístico surge todas às vezes que a imaginação se manifesta livremente, sem o freio do espírito crítico, o que vale é o impulso psíquico. Os surrealistas deixam o mundo real para penetrarem no irreal, pois a emoção mais profunda do ser tem todas as possibilidades de se expressar apenas com a aproximação do fantástico, no ponto onde a razão humana perde o controle".

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

perspectivos laços. Cadarços do All Star.



Qual das suas cabeças falou com qual das minhas cabeças? Fala! Eu quero carimbá-la a tempo. Você a ouviu dizer a palavra "compromisso"? Preciso colocar as algemas antes que ela mude de idéia. Preciso levá-la ao cartório para assinar o documento de garantia de exclusividade civil. Chamarei então o advogado. Posso modificar o status das outras máscaras também, afinal de contas elas dividem o mesmo par de pernas. Posso amordaçar a sua boca? Guarde os seus ouvidos para mim. Põe o meu nome no visor do seu celular? Entrego aqui as chaves do quarto escuro que você não poderá sair apartir de agora. Do que você ri, caro sócio?

- Do seu medo. Já te disseram sobre sua ignorância emotiva? Acrescente na lista: terapia de casal.

campesina lituana em madeira

Se eu não soubesse que era Lituana não acreditaria. O sangue da loira era Paraíba. Escrevo esse post para o que eu não quero esquecer. Documento, então. No deserto, ela caminhava, sem sede, sem fome, crédula. Uma fé que move, e inspira. Muito humana, mas nessa vírgula, sobre-os-mortais.


***

- Crianças, me deixem fora disso! (Maria dizia, já impaciente, mas mesmo assim, rindo dos dois).

- Maria, quem corta o melhor parmesão?

Ele estava preocupado, mas ele não olhava para Maria enquanto perguntava. Ele não olhava para Maria enquanto ela não respondia. Ele estava preocupado e não era com a resposta, e não era com o parmesão. Ele só tinha olhos para ela, a campesina em madeira. Argui, o albanês que fazia as pastas do restaurante insistia, encarando a estátua, desafiador:

- Fala Maria, quem corta melhor o parmesão?

A estátua olhava também. Os dois sorriam e se olhavam muito. Olhavam bonito de se ver, olhavam profundo. E a Maria, no meio deles, cortando o parmesão, era a testemunha do olhar que selava compromisso:

- Tá bom crianças... Eu respondo! Claro que a Rolanda! Ela é a minha chefe Argui, e você acha que eu não a escolheria?

- Viu? Eu corto o parmesão melhor que você! - Respondia a chefe, agradecida.

Ele então apontava o fundo do restaurante, e a puxava em direção ao refrigerador, ofendido e faminto de beijos. A lituana não beijava, e dizia, cheia de sua madeira:

- Everything or nothing?

E ela estava certa.

dois super-egos em dia de aniversário


Mas você não sabe que se não olhar para o chão, vai tropeçar? Você não sabe que se esquecer o ferro ligado e virado para baixo em cima da cama do seu colega de quarto, irá queimar o edredom dele? Você não sabe que colocar a pipoca para esquentar durante cinquenta minutos não vai dar certo? Você não imagina que ao comprar um Chanel número cinco no camelô, provavelmente o cheiro não vai ser igual? Não passa pela sua cabeça que fazer mudança as duas horas da manhã não é o horário mais adequado? Você não sabe que misturar roupas pretas, brancas e coloridas na máquina de lavar pode dar problema???

...

Na verdade, ela não sabia que sabia, mas sabia. No fundo sabia. Agora, enquanto eu olhava para a criança a se divertir em suas atrapalhadas perguntava-me se ela desconheceria níveis mais elevados de situações cômicas, e se ser a piada era realmente tão divertido. Olhava a risadinha virando aquela cabeça de lado, e ela não me convencia. A cabeça era vazia? Atrás da menina, haveria uma mulher.

- Você precisa pensar Sandy! Sim, querida, é importante.

Eu olhava para a minha filha, mas não conseguia sentir amor de mãe. Aquela coisa toda de maternidade ficava no comercial de margarina e não ultrapassava a barreira de todo o dia ter que correr atrás do prejuízo das divertidas trapalhadas dela. Essa menina precisa tomar jeito! A quem teria puxado? A mim, com certeza não. Sou uma dessas pessoas perfeccionistas, cuidadosas e extremamente organizadas. Sim, virginiana com ascendente em virgem. Dessas que colocam os CDs na prateleira de CDs, separadamente, por ordem alfabética, e se possível por cor. Dessas que ficam maluca se a meia estiver embolada, se as camisetas não forem dobradas da forma correta, se não arruma a cama todo o dia de manhã, exatamente na hora em que acorda. É tão simples! Acorda, e arruma a cama. O bom é nem tomar café antes. Colocou o pé no chão, já lembra: "arrumar a cama". Daí você já elimina o problema para o dia inteiro. Não é ótimo? Eu falo isso para ela sempre! Levanta e arruma a cama Sandy!Pra que deixar a cama o dia inteiro desarrumada?

Eu não acredito que não passar credibilidade era tão engraçadinho assim. O desejo de passar uma imagem de dependência contradizia o meu forte espírito feminista.

Outra coisa que eu não entendo, é como essa menina tem a coragem de não lavar as calcinhas durante o banho. Eu juro que ensinei desde que ela era pequena, lava as calcinhas para o banho menina!! E ela atrapalhada, esquecida, desligada. Se liga menina! Eu fico pensando na vergonha que devo passar quando ela vai dormir na casa das amiguinhas. O que a mãe delas vai pensar de mim? Que eu não dou educação para minha filha? Isso é um absuuurdo!

O que aconteceu é que ela foi me enlouquecendo de uma tal forma que no dia do seu aniversário de 16 anos eu bolei um plano para que ela parasse com suas trapalhadinhas engraçadíssimas, afinal, essa menina teria que me levar a sério. E, esqueci o gás do chuveiro ligado. Eu já disse que o chuveiro da minha casa é a gás?

Pois é... e com o gás do chuveiro ligado, matei minha menina. Tantas formas mais criativas de trucidá-la passaram pela minha cabeça durante anos... Queimá-la, cortar em pedacinhos com a faca da cozinha, dar um tiro na testa, amordaçá-la e depois colocar para esquentar dentro do forno. Tirar tudo da geladeira e deixá- la lá, por algumas horas até que ela comece a ficar azul. Azul feita a sua mente, feito as suas idéias que são o céu. Torturada até que ela abandone aquele jeitinho de "preciso de você". Precisa sim, só se for para ser empregada dela.

Que isso? Eu sou uma mãe, não sou uma deusa. Não teria a permissão para ensinar, para educar do jeito que se ensina... É só assim que se aprende. Com a violência.

A menina, morta, olhava para a mãe e não sentia pena, sentia amor. Ela a abraçava e pedia por paciência. Ela, a menina não chorava e era serena. A mãe, em soluços... E ela dizia, enquanto a abraçava:

- Paciência.

sábado, 19 de janeiro de 2008


- E então daí, nós podemos viajar o mundo juntos, e depois nós podemos ir para o Brasil, e depois...

Aqueles todos "depois", e "depois", e "depois" diziam bem pouco sobre o "agora". E ela, olhando para o dia frio que os convidava, apenas disse:

- Meu amor, eu sou uma pessoa de passagem.

"vida louca, vida breve..."

Sobre a habilidade de dirigir a vida com sabedoria posso dizer que ser dirigida assim, dá em bons momentos, pelo menos. Talvez ganhar uma promoção no emprego seja menos inesquecível que a comemoração. Na limosine, uma festa a fantasia, reunindo os melhores amigos pelas ruas de Londres. E depois de cantarolar pelas ruas, fantasias à parte continuaram, noites e dias depois.




- Só a verdade, promete?

O encontro do Palhaço e da Bailarina
Para Diogo Schneider



Temps de poisson. O pas da bailarina era de paz. Ligne ouvert. Noite imensa, o céu estrelado, e ela desobedecida, voltava da sua noitada em passos largos. Ela olhava livre a luz da lua ilumiando a lona do circo. Ia sorrateira, madrugada afora e adentro. Pulou estrategicamente o muro, tirou as delicadas sapatilhas e caminhava em direção ao canto esquerdo da lona. As luzes do circo estavam todas acesas... E ela estranhou. Pensou primeiro que o dono do circo pudesse descobrir a sua fuga para a cidade na última noite de carnaval... Mas não! Havia muito burburinho e muita gente acordada. Ela reparava no desenho das sombras no chão. Tentava adivinhar... A trupe dos palhaços, as dançarinas, os trapezistas... Os malabaristas!... Estavam todos acordados e conversando agitados. Ela se aproximava lentamente, na ponta dos pés, do lado de fora da lona, e do lado de dentro, ela era a sombra. Foi quando escutou a voz da mulher barbada:


- Mas vocês já acordaram a bailarina? Ela precisa saber o que está acontecendo!!

Ela se assustou e em passo double, que só ela saberia dar, vôou em direção a entrada principal do trailler. Fechou o casaco longo e preto que cobria as cores da fantasia da columbina, escolhida especialmente para o carnaval, e entrou sua erguida postura costumeira. Altiva, gélida. A bailarina intocável. E aquela imagem de perfeição que cansava a normalidade realista.

- Nossa, mas o que está acontecendo aqui... (disse, em tom baixo).

Era a quarta feira de cinzas do palhaço. A Rita levou o sorriso, o assunto e o retrato do palhaço. A Rita levou os quadros da sala, o disco de Noel e o dvd do casamento. A Rita levou o colar de noivado, a Rita levou a alma do palhaço. A Rita, umas das dançarinas do circo, e também a esposa do palhaço, havia fugido com o domador de leões a algumas horas atrás. Mas a Rita, a Rita era o coração do palhaço.

- Onde está o palhaço?

- Ele quer ficar sozinho.

- Onde está o palhaço?

Enquanto ouvia risadas e pouco caso nas outras vozes, o seu coração disparou... o palhaço era o seu irmão. Disparou-se em piruetas ao encontro dele.

Só, no centro do tablado, sentado, e em leito. O Arlequim havia secado. No meio do palco, ator chorava personagem. Bobo. Estúpido. Eles riam do palhaço, e ele espectáculo e coração de pano. No palco em que muitas vezes arrancara gargalhadas dos corações dos carrancudos da cidade, ele sangrava. Ele era cheio da graça, e atrás do seu nariz, sem graça. O palhaço pintado.

A bailarina foi em direção ao encontro. Tirou o casaco preto, soltou os cabelos e apressou-se. Os dois estavam nus no centro do tablado.

O movimento do tirar do casaco era o da máscara da bailarina caindo. Via-se. A columbina solitária. O colorido sujo da saia de tule, a maquiagem borrada, e aquela fugacidade vazia que ia levar um tapa na cara. Ela procura apressada um isqueiro. O cigarro aceso na mão, a fumaça. Ela, ligeiramente bêbada. Escutou:

- Amanhã, as dez horas, estarei aqui fazendo algumas crianças darem risadas.

- Eu fiquei sabendo de tudo agora, mas você está bem? Olha pra mim, não pensa nisso agora.

- Amanhã preciso tirar umas boas risadas daquela crianças.

- Tira o seu nariz? Conversa comigo!

Ela tragava ansiosa, e respirava a sua impureza... Ele olhou e falou sério:

- Tira essa roupa suja, vai tomar um banho, e limpar essa maquiagem, você precisa mais do que eu.

Ela âtonita, permanecia em silêncio. Ele com nariz, continuava:

- Vai se olhar no espelho bailarina! Sim, eu sou um palhaço, e você... quem é você? - Ele amansa o tom, e continua, enquanto tira o cigarro da boca da bailarina - Eu, pelo menos sei exatamente o que eu sinto. (Depois de alguns instantes de silêncio, continuou). Mas e você, em relação aos seus sentimentos, jogada ao vento desse jeito, vai poder me ajudar?

- Fala vai... (disse docemente, enquanto tirava aquele debochado nariz).

Ele era um desses sonhadores incorrigíveis, o palhaço. O lirismo, a nostalgia de um sonhar que não se sabe se era afogamento, ou se era algodão doce. De alma pura e apaixonada. E ela conhecia muito bem aquela alma dócil, aquele coração mole, pintado. Mas aquele jeito de falar... aquela firmeza... Ele estava frio. Ela pegou em sua mão, ela o puxou. Tentou abraça-lo. Ele afastou o corpo e continuou olhando firme para o nada. Ela insistiu e ele a negava. Ela o puxou violentamente até que... abraçaram-se. E em um impulso, em uma inspiração de ar que subia pesada pelo peito do palhaço, ele, ele, ele respirou. O palhaço desandou a chorar.

Ele dizia e chorava e ele falava confuso. Ele dizia que a culpa da Rita ir embora havia sido dele... E se ele tivesse pressionado a Rita? E se a Rita tivesse com algum problema que só o domador dos leões pudesse resolver? E se ela nunca o tivesse amado? Como a Rita teve coragem de levar o dvd de casamento? Será que era para sempre?

A bailarina ouvia incomodada aquele desabafo. Os minutos passavam e aqueles desabafos intermináveis, e ela ouvia, o volume triplicado do desabafo no ouvido da bailarina... Todas aquelas teorias absurdas... Absurdas. A bailarina ficava nervosa com o amor sincero do palhaço.

E ele continuava, alheio a agonia de ouvinte da bailarina, e dizia lindamente com o carinho em cada letra, com a beleza de uma calma desesperada das emoções que estupravam a mente sobre a sua amada.

Ela, indignada, queria mesmo era fazer chocalho do palhaço.

Ele fazia planos mirabolantes, e suas palavras eram música. Ele calculava os passos, ele sofria e estava calmo. Ele amava. Infinito.

Ela, em revolta, espremia a mãos, mordia os lábios, uma dor de cabeça que...

Era o fim para ele. A Rita traiu, a Rita humilhou, a Rita levou o dvd do casamento e as duas caixas dos remédios. A Rita queria viajar no reveion para a Tailândia, e gostava do seu novo relógio da Dolce e Cabana do Paraguai que ganhou domador de leões.

- Não, você não gosta mais da Rita!!! (Ela se levanta irritada e grita com o palhaço)... Se foca.... A Rita é uma puta! Ela não te merece! (Ela dizia isso quase impondo solidez ao coração de pano do palhaço).

Ela olhava para ele com pena, com raiva, identificada. Será que ele era espelho? O apaixonado palhaço, empenhado em descobrir o seu "motivo". O motivo pra Rita ir embora, assim, levando tudo, levando ele. "Só palhaço pra dar colher de chá, na hora de dar bofetada!". E ele, ele perdoava o ser amado. Ele perdoava, e ainda queria voltar.

Ela, num ato falho de segundo, sentiu... sentiu... A bailarina sente alguma coisa? A bailarina sentiu um calor no peito, e em seguida, e em seguida uma vontade de chorar também. Os olhos azuis do palhaço transbordavam. As lágrimas fortes, latentes e úmidas do palhaço eram a beleza e era a coragem. O lago de lágrimas do palhaço era a natureza, era a água mais pura de beber do amor.

Ela olhava, ouvia e sentia as lágrimas doloridas e as suas nasciam, e eram orgulhosas. Mas ainda sim, saiam, aliviadas... Porque corriam e eram sangue. O bravo palhaço, palhaço porque falava a verdade pra ele mesmo.

- Sim, eu sou um palhaço.

Lagoa azul do choro do palhaço. O rosto pintado, molhado, e o sorriso espremido que agente dá enquanto chora, não era careta. Era o palhaço de verdade. Lindo. Enorme em sua fidelidade sentimental consigo próprio, em seu devotamento.

A bailarina tentou conter-se, respirou fundo... Aquilo era uma das coisas mais bonitas que a bailarina tinha visto. Era um momento eterno. Procurou novamente pelo maço de cigarro... Onde estavam aqueles malditos cigarros? Ela, ela, ela em sua fortaleza frígida derretia no mar das lágrimas do palhaço. Ela se ajoelhou e descarregou dez quilos de nariz arrebitado. Se pôs a chorar junto com o palhaço num choro incontível. A bailarina abriu a boca e o berreiro e os sons do bezerro junto. Amígdalas. Ela sentou, ela caiu. No chão, em si. Dentro do circo mágico da vida. E ela chorava feliz enquanto agarrava as mãos do palhaço. A bailarina abria o coração graças ao palhaço. Ao grande amor do palhaço.

Trágico, os infelizes.

A postura torta, o rosa chá encostado no palco empoeirado do circo, escancarada, pernas abertas, postura caída, quase que derrubou o coração
pela boca. A bailarina, agora, tinha um coração para chorar.

Ela deixou os vazios, dançou no incerto. Grand Pas de deux. O olho azul do palhaço. Manége. Era um rio e a levava lagoa a dentro em seu mar, no seu azul. Ouvert. Na imensidão do amor inalcansável, na firmeza daquele choro colorido e engraçado. Pas de valse. A bailarina chovia. No choro que a fazia de verdade. Sur les pointes. O deixar-se entregar na beleza da fraqueza. Sim, era belo ser vencido. Ser humano. Ser mortal. Ser palhaço.

Olhos nos olhos, na beleza do encontro de duas almas, foi o destemido que encarou com o mesmo azul a frangote bailarina:

- Vamos? (disse enquanto estendia a mão).

Ele coloca o seu nariz com cuidado, encara o caminho entre a arquibancada, e segue. A bailarina veste a sua capa, e acelera os passos para acompanhar o palhaço. O esforço era sobre-humano, e eles, artistas, vão adormecer para morrer durante o resto de noite. Havia o show das dez horas. O show que deve continuar. O show que tem que continuar. E o show que é o chão. A arte que imita a vida. Foi o homem matando o menino naquele caminhar até o trailler. Um caminhar de pés, mãos e cabeças dadas. E eles morreram durante o sono.

- Hoje tem marmelada? Tem, sim Senhor! Hoje tem goiabada? Tem, sim Senhor! E o palhaço, o que é? Respeitável público, hoje temos o prazer de apresentar, no espetáculo da vida, a principal atração desta manhã, com vocês, o palhaço Rapadura Mole, e a Bailarina Espoleta!!!

A platéia vibrava, as crianças gritavam, algumas agarravam-se as suas mães, e outras gostariam de invadir o palco e agarrar o palhaço. O casal de namorados que dividia a pipoca, passou a dividir as risadas. Ouvia-se de longe as gargalhadas daquele picadeiro, daquele piadeiro... Pintado de alegria, e das graças, do palhaço.