quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

perspectivos laços. Cadarços do All Star.



Qual das suas cabeças falou com qual das minhas cabeças? Fala! Eu quero carimbá-la a tempo. Você a ouviu dizer a palavra "compromisso"? Preciso colocar as algemas antes que ela mude de idéia. Preciso levá-la ao cartório para assinar o documento de garantia de exclusividade civil. Chamarei então o advogado. Posso modificar o status das outras máscaras também, afinal de contas elas dividem o mesmo par de pernas. Posso amordaçar a sua boca? Guarde os seus ouvidos para mim. Põe o meu nome no visor do seu celular? Entrego aqui as chaves do quarto escuro que você não poderá sair apartir de agora. Do que você ri, caro sócio?

- Do seu medo. Já te disseram sobre sua ignorância emotiva? Acrescente na lista: terapia de casal.

campesina lituana em madeira

Se eu não soubesse que era Lituana não acreditaria. O sangue da loira era Paraíba. Escrevo esse post para o que eu não quero esquecer. Documento, então. No deserto, ela caminhava, sem sede, sem fome, crédula. Uma fé que move, e inspira. Muito humana, mas nessa vírgula, sobre-os-mortais.


***

- Crianças, me deixem fora disso! (Maria dizia, já impaciente, mas mesmo assim, rindo dos dois).

- Maria, quem corta o melhor parmesão?

Ele estava preocupado, mas ele não olhava para Maria enquanto perguntava. Ele não olhava para Maria enquanto ela não respondia. Ele estava preocupado e não era com a resposta, e não era com o parmesão. Ele só tinha olhos para ela, a campesina em madeira. Argui, o albanês que fazia as pastas do restaurante insistia, encarando a estátua, desafiador:

- Fala Maria, quem corta melhor o parmesão?

A estátua olhava também. Os dois sorriam e se olhavam muito. Olhavam bonito de se ver, olhavam profundo. E a Maria, no meio deles, cortando o parmesão, era a testemunha do olhar que selava compromisso:

- Tá bom crianças... Eu respondo! Claro que a Rolanda! Ela é a minha chefe Argui, e você acha que eu não a escolheria?

- Viu? Eu corto o parmesão melhor que você! - Respondia a chefe, agradecida.

Ele então apontava o fundo do restaurante, e a puxava em direção ao refrigerador, ofendido e faminto de beijos. A lituana não beijava, e dizia, cheia de sua madeira:

- Everything or nothing?

E ela estava certa.

dois super-egos em dia de aniversário


Mas você não sabe que se não olhar para o chão, vai tropeçar? Você não sabe que se esquecer o ferro ligado e virado para baixo em cima da cama do seu colega de quarto, irá queimar o edredom dele? Você não sabe que colocar a pipoca para esquentar durante cinquenta minutos não vai dar certo? Você não imagina que ao comprar um Chanel número cinco no camelô, provavelmente o cheiro não vai ser igual? Não passa pela sua cabeça que fazer mudança as duas horas da manhã não é o horário mais adequado? Você não sabe que misturar roupas pretas, brancas e coloridas na máquina de lavar pode dar problema???

...

Na verdade, ela não sabia que sabia, mas sabia. No fundo sabia. Agora, enquanto eu olhava para a criança a se divertir em suas atrapalhadas perguntava-me se ela desconheceria níveis mais elevados de situações cômicas, e se ser a piada era realmente tão divertido. Olhava a risadinha virando aquela cabeça de lado, e ela não me convencia. A cabeça era vazia? Atrás da menina, haveria uma mulher.

- Você precisa pensar Sandy! Sim, querida, é importante.

Eu olhava para a minha filha, mas não conseguia sentir amor de mãe. Aquela coisa toda de maternidade ficava no comercial de margarina e não ultrapassava a barreira de todo o dia ter que correr atrás do prejuízo das divertidas trapalhadas dela. Essa menina precisa tomar jeito! A quem teria puxado? A mim, com certeza não. Sou uma dessas pessoas perfeccionistas, cuidadosas e extremamente organizadas. Sim, virginiana com ascendente em virgem. Dessas que colocam os CDs na prateleira de CDs, separadamente, por ordem alfabética, e se possível por cor. Dessas que ficam maluca se a meia estiver embolada, se as camisetas não forem dobradas da forma correta, se não arruma a cama todo o dia de manhã, exatamente na hora em que acorda. É tão simples! Acorda, e arruma a cama. O bom é nem tomar café antes. Colocou o pé no chão, já lembra: "arrumar a cama". Daí você já elimina o problema para o dia inteiro. Não é ótimo? Eu falo isso para ela sempre! Levanta e arruma a cama Sandy!Pra que deixar a cama o dia inteiro desarrumada?

Eu não acredito que não passar credibilidade era tão engraçadinho assim. O desejo de passar uma imagem de dependência contradizia o meu forte espírito feminista.

Outra coisa que eu não entendo, é como essa menina tem a coragem de não lavar as calcinhas durante o banho. Eu juro que ensinei desde que ela era pequena, lava as calcinhas para o banho menina!! E ela atrapalhada, esquecida, desligada. Se liga menina! Eu fico pensando na vergonha que devo passar quando ela vai dormir na casa das amiguinhas. O que a mãe delas vai pensar de mim? Que eu não dou educação para minha filha? Isso é um absuuurdo!

O que aconteceu é que ela foi me enlouquecendo de uma tal forma que no dia do seu aniversário de 16 anos eu bolei um plano para que ela parasse com suas trapalhadinhas engraçadíssimas, afinal, essa menina teria que me levar a sério. E, esqueci o gás do chuveiro ligado. Eu já disse que o chuveiro da minha casa é a gás?

Pois é... e com o gás do chuveiro ligado, matei minha menina. Tantas formas mais criativas de trucidá-la passaram pela minha cabeça durante anos... Queimá-la, cortar em pedacinhos com a faca da cozinha, dar um tiro na testa, amordaçá-la e depois colocar para esquentar dentro do forno. Tirar tudo da geladeira e deixá- la lá, por algumas horas até que ela comece a ficar azul. Azul feita a sua mente, feito as suas idéias que são o céu. Torturada até que ela abandone aquele jeitinho de "preciso de você". Precisa sim, só se for para ser empregada dela.

Que isso? Eu sou uma mãe, não sou uma deusa. Não teria a permissão para ensinar, para educar do jeito que se ensina... É só assim que se aprende. Com a violência.

A menina, morta, olhava para a mãe e não sentia pena, sentia amor. Ela a abraçava e pedia por paciência. Ela, a menina não chorava e era serena. A mãe, em soluços... E ela dizia, enquanto a abraçava:

- Paciência.

sábado, 19 de janeiro de 2008


- E então daí, nós podemos viajar o mundo juntos, e depois nós podemos ir para o Brasil, e depois...

Aqueles todos "depois", e "depois", e "depois" diziam bem pouco sobre o "agora". E ela, olhando para o dia frio que os convidava, apenas disse:

- Meu amor, eu sou uma pessoa de passagem.

"vida louca, vida breve..."

Sobre a habilidade de dirigir a vida com sabedoria posso dizer que ser dirigida assim, dá em bons momentos, pelo menos. Talvez ganhar uma promoção no emprego seja menos inesquecível que a comemoração. Na limosine, uma festa a fantasia, reunindo os melhores amigos pelas ruas de Londres. E depois de cantarolar pelas ruas, fantasias à parte continuaram, noites e dias depois.




- Só a verdade, promete?

O encontro do Palhaço e da Bailarina
Para Diogo Schneider



Temps de poisson. O pas da bailarina era de paz. Ligne ouvert. Noite imensa, o céu estrelado, e ela desobedecida, voltava da sua noitada em passos largos. Ela olhava livre a luz da lua ilumiando a lona do circo. Ia sorrateira, madrugada afora e adentro. Pulou estrategicamente o muro, tirou as delicadas sapatilhas e caminhava em direção ao canto esquerdo da lona. As luzes do circo estavam todas acesas... E ela estranhou. Pensou primeiro que o dono do circo pudesse descobrir a sua fuga para a cidade na última noite de carnaval... Mas não! Havia muito burburinho e muita gente acordada. Ela reparava no desenho das sombras no chão. Tentava adivinhar... A trupe dos palhaços, as dançarinas, os trapezistas... Os malabaristas!... Estavam todos acordados e conversando agitados. Ela se aproximava lentamente, na ponta dos pés, do lado de fora da lona, e do lado de dentro, ela era a sombra. Foi quando escutou a voz da mulher barbada:


- Mas vocês já acordaram a bailarina? Ela precisa saber o que está acontecendo!!

Ela se assustou e em passo double, que só ela saberia dar, vôou em direção a entrada principal do trailler. Fechou o casaco longo e preto que cobria as cores da fantasia da columbina, escolhida especialmente para o carnaval, e entrou sua erguida postura costumeira. Altiva, gélida. A bailarina intocável. E aquela imagem de perfeição que cansava a normalidade realista.

- Nossa, mas o que está acontecendo aqui... (disse, em tom baixo).

Era a quarta feira de cinzas do palhaço. A Rita levou o sorriso, o assunto e o retrato do palhaço. A Rita levou os quadros da sala, o disco de Noel e o dvd do casamento. A Rita levou o colar de noivado, a Rita levou a alma do palhaço. A Rita, umas das dançarinas do circo, e também a esposa do palhaço, havia fugido com o domador de leões a algumas horas atrás. Mas a Rita, a Rita era o coração do palhaço.

- Onde está o palhaço?

- Ele quer ficar sozinho.

- Onde está o palhaço?

Enquanto ouvia risadas e pouco caso nas outras vozes, o seu coração disparou... o palhaço era o seu irmão. Disparou-se em piruetas ao encontro dele.

Só, no centro do tablado, sentado, e em leito. O Arlequim havia secado. No meio do palco, ator chorava personagem. Bobo. Estúpido. Eles riam do palhaço, e ele espectáculo e coração de pano. No palco em que muitas vezes arrancara gargalhadas dos corações dos carrancudos da cidade, ele sangrava. Ele era cheio da graça, e atrás do seu nariz, sem graça. O palhaço pintado.

A bailarina foi em direção ao encontro. Tirou o casaco preto, soltou os cabelos e apressou-se. Os dois estavam nus no centro do tablado.

O movimento do tirar do casaco era o da máscara da bailarina caindo. Via-se. A columbina solitária. O colorido sujo da saia de tule, a maquiagem borrada, e aquela fugacidade vazia que ia levar um tapa na cara. Ela procura apressada um isqueiro. O cigarro aceso na mão, a fumaça. Ela, ligeiramente bêbada. Escutou:

- Amanhã, as dez horas, estarei aqui fazendo algumas crianças darem risadas.

- Eu fiquei sabendo de tudo agora, mas você está bem? Olha pra mim, não pensa nisso agora.

- Amanhã preciso tirar umas boas risadas daquela crianças.

- Tira o seu nariz? Conversa comigo!

Ela tragava ansiosa, e respirava a sua impureza... Ele olhou e falou sério:

- Tira essa roupa suja, vai tomar um banho, e limpar essa maquiagem, você precisa mais do que eu.

Ela âtonita, permanecia em silêncio. Ele com nariz, continuava:

- Vai se olhar no espelho bailarina! Sim, eu sou um palhaço, e você... quem é você? - Ele amansa o tom, e continua, enquanto tira o cigarro da boca da bailarina - Eu, pelo menos sei exatamente o que eu sinto. (Depois de alguns instantes de silêncio, continuou). Mas e você, em relação aos seus sentimentos, jogada ao vento desse jeito, vai poder me ajudar?

- Fala vai... (disse docemente, enquanto tirava aquele debochado nariz).

Ele era um desses sonhadores incorrigíveis, o palhaço. O lirismo, a nostalgia de um sonhar que não se sabe se era afogamento, ou se era algodão doce. De alma pura e apaixonada. E ela conhecia muito bem aquela alma dócil, aquele coração mole, pintado. Mas aquele jeito de falar... aquela firmeza... Ele estava frio. Ela pegou em sua mão, ela o puxou. Tentou abraça-lo. Ele afastou o corpo e continuou olhando firme para o nada. Ela insistiu e ele a negava. Ela o puxou violentamente até que... abraçaram-se. E em um impulso, em uma inspiração de ar que subia pesada pelo peito do palhaço, ele, ele, ele respirou. O palhaço desandou a chorar.

Ele dizia e chorava e ele falava confuso. Ele dizia que a culpa da Rita ir embora havia sido dele... E se ele tivesse pressionado a Rita? E se a Rita tivesse com algum problema que só o domador dos leões pudesse resolver? E se ela nunca o tivesse amado? Como a Rita teve coragem de levar o dvd de casamento? Será que era para sempre?

A bailarina ouvia incomodada aquele desabafo. Os minutos passavam e aqueles desabafos intermináveis, e ela ouvia, o volume triplicado do desabafo no ouvido da bailarina... Todas aquelas teorias absurdas... Absurdas. A bailarina ficava nervosa com o amor sincero do palhaço.

E ele continuava, alheio a agonia de ouvinte da bailarina, e dizia lindamente com o carinho em cada letra, com a beleza de uma calma desesperada das emoções que estupravam a mente sobre a sua amada.

Ela, indignada, queria mesmo era fazer chocalho do palhaço.

Ele fazia planos mirabolantes, e suas palavras eram música. Ele calculava os passos, ele sofria e estava calmo. Ele amava. Infinito.

Ela, em revolta, espremia a mãos, mordia os lábios, uma dor de cabeça que...

Era o fim para ele. A Rita traiu, a Rita humilhou, a Rita levou o dvd do casamento e as duas caixas dos remédios. A Rita queria viajar no reveion para a Tailândia, e gostava do seu novo relógio da Dolce e Cabana do Paraguai que ganhou domador de leões.

- Não, você não gosta mais da Rita!!! (Ela se levanta irritada e grita com o palhaço)... Se foca.... A Rita é uma puta! Ela não te merece! (Ela dizia isso quase impondo solidez ao coração de pano do palhaço).

Ela olhava para ele com pena, com raiva, identificada. Será que ele era espelho? O apaixonado palhaço, empenhado em descobrir o seu "motivo". O motivo pra Rita ir embora, assim, levando tudo, levando ele. "Só palhaço pra dar colher de chá, na hora de dar bofetada!". E ele, ele perdoava o ser amado. Ele perdoava, e ainda queria voltar.

Ela, num ato falho de segundo, sentiu... sentiu... A bailarina sente alguma coisa? A bailarina sentiu um calor no peito, e em seguida, e em seguida uma vontade de chorar também. Os olhos azuis do palhaço transbordavam. As lágrimas fortes, latentes e úmidas do palhaço eram a beleza e era a coragem. O lago de lágrimas do palhaço era a natureza, era a água mais pura de beber do amor.

Ela olhava, ouvia e sentia as lágrimas doloridas e as suas nasciam, e eram orgulhosas. Mas ainda sim, saiam, aliviadas... Porque corriam e eram sangue. O bravo palhaço, palhaço porque falava a verdade pra ele mesmo.

- Sim, eu sou um palhaço.

Lagoa azul do choro do palhaço. O rosto pintado, molhado, e o sorriso espremido que agente dá enquanto chora, não era careta. Era o palhaço de verdade. Lindo. Enorme em sua fidelidade sentimental consigo próprio, em seu devotamento.

A bailarina tentou conter-se, respirou fundo... Aquilo era uma das coisas mais bonitas que a bailarina tinha visto. Era um momento eterno. Procurou novamente pelo maço de cigarro... Onde estavam aqueles malditos cigarros? Ela, ela, ela em sua fortaleza frígida derretia no mar das lágrimas do palhaço. Ela se ajoelhou e descarregou dez quilos de nariz arrebitado. Se pôs a chorar junto com o palhaço num choro incontível. A bailarina abriu a boca e o berreiro e os sons do bezerro junto. Amígdalas. Ela sentou, ela caiu. No chão, em si. Dentro do circo mágico da vida. E ela chorava feliz enquanto agarrava as mãos do palhaço. A bailarina abria o coração graças ao palhaço. Ao grande amor do palhaço.

Trágico, os infelizes.

A postura torta, o rosa chá encostado no palco empoeirado do circo, escancarada, pernas abertas, postura caída, quase que derrubou o coração
pela boca. A bailarina, agora, tinha um coração para chorar.

Ela deixou os vazios, dançou no incerto. Grand Pas de deux. O olho azul do palhaço. Manége. Era um rio e a levava lagoa a dentro em seu mar, no seu azul. Ouvert. Na imensidão do amor inalcansável, na firmeza daquele choro colorido e engraçado. Pas de valse. A bailarina chovia. No choro que a fazia de verdade. Sur les pointes. O deixar-se entregar na beleza da fraqueza. Sim, era belo ser vencido. Ser humano. Ser mortal. Ser palhaço.

Olhos nos olhos, na beleza do encontro de duas almas, foi o destemido que encarou com o mesmo azul a frangote bailarina:

- Vamos? (disse enquanto estendia a mão).

Ele coloca o seu nariz com cuidado, encara o caminho entre a arquibancada, e segue. A bailarina veste a sua capa, e acelera os passos para acompanhar o palhaço. O esforço era sobre-humano, e eles, artistas, vão adormecer para morrer durante o resto de noite. Havia o show das dez horas. O show que deve continuar. O show que tem que continuar. E o show que é o chão. A arte que imita a vida. Foi o homem matando o menino naquele caminhar até o trailler. Um caminhar de pés, mãos e cabeças dadas. E eles morreram durante o sono.

- Hoje tem marmelada? Tem, sim Senhor! Hoje tem goiabada? Tem, sim Senhor! E o palhaço, o que é? Respeitável público, hoje temos o prazer de apresentar, no espetáculo da vida, a principal atração desta manhã, com vocês, o palhaço Rapadura Mole, e a Bailarina Espoleta!!!

A platéia vibrava, as crianças gritavam, algumas agarravam-se as suas mães, e outras gostariam de invadir o palco e agarrar o palhaço. O casal de namorados que dividia a pipoca, passou a dividir as risadas. Ouvia-se de longe as gargalhadas daquele picadeiro, daquele piadeiro... Pintado de alegria, e das graças, do palhaço.