quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

dois super-egos em dia de aniversário


Mas você não sabe que se não olhar para o chão, vai tropeçar? Você não sabe que se esquecer o ferro ligado e virado para baixo em cima da cama do seu colega de quarto, irá queimar o edredom dele? Você não sabe que colocar a pipoca para esquentar durante cinquenta minutos não vai dar certo? Você não imagina que ao comprar um Chanel número cinco no camelô, provavelmente o cheiro não vai ser igual? Não passa pela sua cabeça que fazer mudança as duas horas da manhã não é o horário mais adequado? Você não sabe que misturar roupas pretas, brancas e coloridas na máquina de lavar pode dar problema???

...

Na verdade, ela não sabia que sabia, mas sabia. No fundo sabia. Agora, enquanto eu olhava para a criança a se divertir em suas atrapalhadas perguntava-me se ela desconheceria níveis mais elevados de situações cômicas, e se ser a piada era realmente tão divertido. Olhava a risadinha virando aquela cabeça de lado, e ela não me convencia. A cabeça era vazia? Atrás da menina, haveria uma mulher.

- Você precisa pensar Sandy! Sim, querida, é importante.

Eu olhava para a minha filha, mas não conseguia sentir amor de mãe. Aquela coisa toda de maternidade ficava no comercial de margarina e não ultrapassava a barreira de todo o dia ter que correr atrás do prejuízo das divertidas trapalhadas dela. Essa menina precisa tomar jeito! A quem teria puxado? A mim, com certeza não. Sou uma dessas pessoas perfeccionistas, cuidadosas e extremamente organizadas. Sim, virginiana com ascendente em virgem. Dessas que colocam os CDs na prateleira de CDs, separadamente, por ordem alfabética, e se possível por cor. Dessas que ficam maluca se a meia estiver embolada, se as camisetas não forem dobradas da forma correta, se não arruma a cama todo o dia de manhã, exatamente na hora em que acorda. É tão simples! Acorda, e arruma a cama. O bom é nem tomar café antes. Colocou o pé no chão, já lembra: "arrumar a cama". Daí você já elimina o problema para o dia inteiro. Não é ótimo? Eu falo isso para ela sempre! Levanta e arruma a cama Sandy!Pra que deixar a cama o dia inteiro desarrumada?

Eu não acredito que não passar credibilidade era tão engraçadinho assim. O desejo de passar uma imagem de dependência contradizia o meu forte espírito feminista.

Outra coisa que eu não entendo, é como essa menina tem a coragem de não lavar as calcinhas durante o banho. Eu juro que ensinei desde que ela era pequena, lava as calcinhas para o banho menina!! E ela atrapalhada, esquecida, desligada. Se liga menina! Eu fico pensando na vergonha que devo passar quando ela vai dormir na casa das amiguinhas. O que a mãe delas vai pensar de mim? Que eu não dou educação para minha filha? Isso é um absuuurdo!

O que aconteceu é que ela foi me enlouquecendo de uma tal forma que no dia do seu aniversário de 16 anos eu bolei um plano para que ela parasse com suas trapalhadinhas engraçadíssimas, afinal, essa menina teria que me levar a sério. E, esqueci o gás do chuveiro ligado. Eu já disse que o chuveiro da minha casa é a gás?

Pois é... e com o gás do chuveiro ligado, matei minha menina. Tantas formas mais criativas de trucidá-la passaram pela minha cabeça durante anos... Queimá-la, cortar em pedacinhos com a faca da cozinha, dar um tiro na testa, amordaçá-la e depois colocar para esquentar dentro do forno. Tirar tudo da geladeira e deixá- la lá, por algumas horas até que ela comece a ficar azul. Azul feita a sua mente, feito as suas idéias que são o céu. Torturada até que ela abandone aquele jeitinho de "preciso de você". Precisa sim, só se for para ser empregada dela.

Que isso? Eu sou uma mãe, não sou uma deusa. Não teria a permissão para ensinar, para educar do jeito que se ensina... É só assim que se aprende. Com a violência.

A menina, morta, olhava para a mãe e não sentia pena, sentia amor. Ela a abraçava e pedia por paciência. Ela, a menina não chorava e era serena. A mãe, em soluços... E ela dizia, enquanto a abraçava:

- Paciência.

Um comentário:

Anônimo disse...

gostei muito, parabéns!