sexta-feira, 7 de maio de 2010

Essas cores subiram à cabeça...

Tudo começou num banho de tinta: os trotes! No rosto pintado de USP, no dinheiro que pedimos no farol para comemorar essa vitória e nos veteranos que nos coloriram... Mas afinal, o que havia naquelas cores? Era um novo mundo, na verdade, uma cidade inteira: “A Cidade Universitária”, e junto com a cidade, os veteranos, sua tinta e uma nova língua, nos seduzindo a decifrar suas siglas, sua cultura, seus valores: FFLCH, FAU, FEA, POLI, CRUSP, CEPE, ECA, CINUSP... Era o sonho se transformando em realidade, e em meio a todas aquelas cores e siglas, nós... nós nos rendemos.
Só sei que a partir do banho de tinta nos oficializamos em fflechentos! Para quem não sabe, esse é o nome que se dá aos estudantes da FFLCH, lugar da USP em que se formam alguns dos futuros filósofos, políticos e professores de humanas do país... Isso mesmo! Os organizadores das greves!Agora, vamos refletir: nossos familiares, ao nos apoiarem durante o vestibular, por acaso imaginavam o ambiente ideológico no qual nos formaríamos? Pois é, talvez eles não soubessem, da tinta vermelha daqueles corredores, da peculariedade do ambiente e dos professores apaixonados que encontraríamos no caminho. E talvez se soubessem, gostariam de nos proteger... Mas foi sob esse prisma de cores que nos refletimos luz, brilhando sábios e também solidários, com percepção aguçada às diferenças relevantes de nosso país, pois durante esses anos, além dos conteúdos bibliográficos discutidos em sala, a intensidade cromática nos provocou a discutir realidade, visão humanística, a nos encantarmos com com alguns conceitos desse universo, sim, houve algumas ilusões de óptica, mas no todo, o aumento da intensidade tornou perceptíveis aos nossos olhos ondas até então invisíveis, dilatando nosso espectro a outras realidades...
Com a essência pintada, começamos a falar em responsabilidade social e a nos transformar junto a estes novos códigos. Sim, assumimos os nossos cachos, nossa brasilidade!... E tudo com um grande valor simbólico internalizado por aquelas palestras.... Vai tentar contrariar! Aprendemos a gostar das velhas canções de MPB, do Chico Buarque e de literatura africana de língua portuguesa. Era um mergulho denso, subindo para a cabeça, era a passagem para fase adulta protegida pela cultura uspiana.
Mas e o que há de ultravioleta em nossas memórias? As flashes de lembranças que nos virão a tona no futuro e nos encherão de saudade? Sim, vamos lembrar dos amigos que fizemos nos corredores da Letras, de um curso inusitado no cepe, daqueles filmes iranianos silenciosos do Cinusp!!! Sim, nossa vivência acadêmica foi única... Já imaginou em outra faculdade todas aquelas interrupções de aula pelo movimento estudantil tentando nos convencer à adesão de suas causas? Aquelas reflexões de literatura maravilhosas que assemelhavam-se mais a terapia do que a aula em si, os poemas que sentimos vontade de escrever, dos professores prediletos, das conversas animadas na fila do bandejão, a sensação estranha de abrir a página da UOL e encontrar a foto de algum conhecido seu com legenda: “alunos da USP fazem greve”, Ah! o pôr do sol da praça do relógio... Se apaixonar, pegar um ônibus para o Encontro dos Estudantes de Letras em Recife e de lá seguir em carona com da delegação de Natal, viajar com os amigos para o Fórum Social Mundial, participar de alguma manifestação em Brasília e ficar em uma sexta-feira até manhã em alguma festa do CRUSP. Fazer Letras na USP é ter cinco amigos poetas, dois músicos e conhecer um monte de gente que quer viver de arte! É assistir um show do Tom Zé em plena ocupação da reitoria!
Levaremos dentro de nós a inspiração dessas cores: a radiação reconhecida de ser um formando da USP. “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. Clarice Lispector
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Meu discurso sobre o tema: "Vivência Universitária", na Colação de Grau da Letras USP 2009.