quarta-feira, 28 de novembro de 2007

na aviação a coisa tá devagar mas no metrô ficou mais ligeira.



Ela descia as escadas do metrô atrasada. "- Soninha, preciso desligar que o trem tá chegando... Preciso desligar agora, tchal!!!! beijo Sonia... Tchal, depois te ligo". E enquanto terminava os últimos degraus, virava a mochila para a frente do corpo, abria o zíper, ia pegando a carteira, guardando o celular (tudo ao mesmo tempo, porque era mulher). "-Será que tem crédito no cartão?". Olhou para frente rapidamente. Naquele segundo em que notou o trem chegando, pensou no seu primeiro dia de trabalho no emprego novo, pensou que demoraria muito para o próximo trem chegar, também reparou na catraca, na máquina para comprar o bilhete, nas pessoas que passavam, em um rapaz a observava com um bilhete na mão. Ops. Retorno do olhar. Notou um rapaz que a observava com um bilhete na mão com uma fisionomia de sobrancelhas arregaladas, olhando fixamente para ela. - Sim, ele está olhando para mim e ele tem um bilhete na mão. Peraí, agora ele gesticulou levantando o bilhete na mão, como quem diz: "você precisa de ajuda?". Será que ele está querendo pagar a passagem para me ajudar?

Naquele curto segundo, ela tinha o trem que não poderia perder, tinha um bilhete em algum lugar da sua bolsa e alguém se oferecendo para pagar a sua passagem. Hesitou. Foi. Por que não?

Assim que atravessou a catraca, as portas do trem abertas, entrou. Mas disse sorrindo no caminho, "obrigado". Ele ficou sério. "Como assim obrigado?". Volte aqui e me pague por essa passagem. Ela olhou para ele, já sentada, e não entendeu o que estava acontecendo. "Você não se ofereceu para pagar as passagens pra mim? Quando eu estava entrando, você disse que..." . A porta do trem se fechou.

Ainda dava para ouvir os berros dele, que ao lado de fora da catraca, gritava alterado enquanto apontava para a máquina de comprar bilhetes. Ela ainda não tinha entendido. Olhava para ele através do vidro do vagão, como quem pede sinceras desculpas. - O que que aconteceu aqui?
O trem saltou. Mais segundos saltaram e ela entrou na viagem. - O que que aconteceu ali?. Rememorou os fatos com calma. "-Ah". "- Ele não queria me ajudar, ele deveria estar vendendo os bilhetes porque a máquina não estava funcionando, (que era muito comum nos metros da cidade), e esperava que depois que eu passasse, fosse pagar a passagem para ele. Ih! Eu dei um calote nele...". E sentiu-se culpada.

Próxima estação. Na verdade aquela situação a fez lembrar de outras. Como o dia em que seu computador quebrou, e ela perguntou no mercado que frequentava regularmente se alguém conhecia algum técnico de computação para ajudá-la. Ela agradeceu quando um dos rapazes do mercado se habilitou, mas assustou-se quando ele chegou em sua casa com uma sacola de queijos e outra com vinho, e ainda mais quando descobriu que ele não entendia nada de computador.

Lembrou da vez em que precisava alugar um apartamento e combinou de encontrar um amigo no final do dia para que visitassem um baratinho que ele disse que conhecia, e, quando o rapaz chegou, não existia apartamento nenhum, apenas um convite ensaiado "- Mas já que estamos aqui, você quer fazer alguma coisa?". E a outra vez em que seu outro "amigo" de dois meses lhe disse: "Eu conheço um jornalista bacana, e eu falei de você para ele, nós vamos arrumar um emprego pra você no jornal". Ela não acreditou, mas desafiou: "- Me passa o telefone dele agora". E dessa vez não se assustou quando ouviu: "Olha moça, aqui não tem ninguém com esse nome". E menos ainda, quando o mesmo cara de pau ainda ligou no dia seguinte: "Oi! Tudo bem??? Quer fazer alguma coisa?""

Terceira estação. Para variar, ela deu sorte. Nas vezes em que ela acreditou em primeiras intenções não haviam sido realizadas as segundas. Era terça-feira. Nem um arranhão. Como um trem que fecha a porta antes do desconhecido correr nervoso atrás da caloteira que não deu o que ele queria. Era o seu colega de quarto que chegava na hora em que ela havia ficado sozinha com o técnico do computador, era o telefone errado que por acaso tinha um amigo jornalista que precisava de uma assistente. "Nada é de graça nessa vida minha querida, um dia você ainda vai aprender isso". O ditado da tia veio na cabeça. A fisionomia alterada do cobrador do metrô. Cenas. Metrô. Mudou alguma coisa lá dentro.

O movimento do metrô agora é circular. Não. É um oito. As estações são o tempo, são os cabelos, são as lágrimas que saiam do rosto da menina enquanto ela olhava para as unhas sujas das mãos. Pequenas, ralas, fracas. A mão estava marcada. Não era mais polida. Agora ela tinha as mãos e os pés grandes. Os olhos cegos, entenderam e esqueceram no ritmo do segundo. Ela fechou os olhos naquele segundo enquanto apertava os dedos da mão. Estava cansada mas queria continuar.


Foi e acabou o trabalho. Depois, ainda ficou uma hora no trem até voltar para casa. Andou dezoito quarteirões sozinha. Chegou em casa, dormiu. Acordou as sete horas da manhã, arrumou a cama, preparou seu café. Abriu o jornal, leu. Saiu sem atraso e foi trabalhar de novo. E assim os dias eram todos iguais e diferentes para a menina que queria pensar mais um pouquinho. As vezes é bom tomar o trem para despertar.

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