quarta-feira, 24 de outubro de 2007





"os róseos laços de aço desatados, não tratam denforcamento, masmalemolência".













Foi num dia que a moça tava diferente. Angiospérmica. Ela acordou de sua cama e olhou acostumada aquele velho lençol florido. O desenho das flores do campo, o colorido feliz das flores do campo, e o perfume que ela não sentia naquele velho lençol. A moça, ali, em pálida ressaca tentava sair desastrada daquela cama. Passeou novamente os olhos pelo lençol. Olhou sua velha pele, olhou o tecido. Ele parecia com um vestido da sua finada tia Margarida! Rios para dentro. Pensou sobre os processos de polinização. Desejou um inseto. Pensou na função de fertilização e notou o botão de rosas que decorava o criado mudo. Engraçado, as flores do lençol e o botão, eram todos enfeites. Cabeça novamente no travesseiro, a fronha. Olhou em anthesis. Reparou nos laços cor de rosa da fronha. Sentiu um calafrio. Achou que pareciam de aço.

Levantou-se, enfim, e em continuo pensar se dirigiu a penteadeira de todos os dias. O espelho e o reflexo de também todos os dias. Ou não. O reflexo da moça no dia em que ela estava diferente era como se gramínea. Olhou a delicada escova e iniciou mais um madalena pentear sobre os longos cabelos. Mas por que tão longos? Por acaso rapunzel? Passou o pó de arroz, passou o batom vermelho. Ele parecia sangue. Imaginou o sangue que andava sem parar por dentro do corpo. Gostou. Rios para dentro. A imagem pálida refletida no espelho, os longos cabelos. Século vinte e dois, e ela gioconda! O sangue escorregadio sobre o mato livre do campo foi a última imagem que viu no espelho.

Chegou na janela, apoiou-se. Rios para fora. Olhava faminta. Precisava dos lactobacilos vivos, do néctar das proteínas e de dançar vadia na chuva. Os sons da chuva caindo na terra ao lado de fora da casa. Olhou de novo. Tentou imaginar o cheiro que teria a terra molhada pela chuva. Franzio a sobrancelha. Olhou as paredes do quarto. Reparou as cortinas que não balançavam ao sabor do vento. Como seria o gosto do vento batendo na pele da gente? Ela reparou no vidro. A moça, de repente tinha muito mais pra olhar naquele dois acostumados olhos. E eles cresciam junto com o franzir das sobrancelha. O momento esbugalhado do olhar.

Eram muitas cabeças a passear pelos todos cinco cantos do quarto. Eram olhos acima e abaixo. Sete cantos do quarto. Aquela penteadeira de todos os dias, os laços de aço da fronha e o vermelho do batom. Sangue. A penteadeira de todos os dias e os laç... os nada. Agora era mesmo a tesoura que ela acabara de reparar no canto esquerdo da penteadeira. Parou de pensar. Decidiu brincar com a tesoura. Olhou os cabelos. Tesoura e o cabelo. Não teve dúvidas. Rios para dentro e para fora. Naquele dia em que Madalena acordou diferente, ela sentiu uma estranha calma. Estava entediada. Começou a caminhar pelo quarto desordenadamente e cada vez mais veloz. Correu até a cama e sentou. Rio. Pegou a tesoura e também cortou aqueles laços de aço com uma brutalidade assanhada. Sentiu prazer. Era Madalena a là Sade.

No baú, intacto estava seu diário dourado. Sentiu um enjoo com todo aquele pó. O peso dos pesares naquele velho estúpido diário. Decidida e indelicada lançou-o no vidro da janela. Rio. O vidro da janela despedaçado caia no chão, enquanto ouviam-se passos até a porta da frente. Suspirou. Atravessou aquela terceira margem, aquele curto e infinito espaço entre a porta e o mundo carregando ainda algumas ilusões. Não, ela não era livre. E quem o é?

No dia em que a moça acordou diferente, ela estava livre. Mas atriz, aproveitou o show. Malemolenta Madalena aproveita bem a viagem.

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